- Que merda é essa? - Shadow disse alto.
A imagem se dissolveu em um chuvisco brilhante. Quando voltou, o Dick Van Dyke show havia de transformado, inexplicavelmente, em I love Lucy. Ela estava tentando convencer Ricky a trocar a geladeira velha por uma nova. Mas, quando ele saiu, ela foi até o sofá e se sentou, cruzando as pernas, repousando as mãos no colo e olhando pacientemente através dos anos em branco e preto.
- Shadow. Precisamos conversar.
Ele não disse nada. Ela abriu a bolsa e tirou um cigarro, acendeu com um isqueiro prateado claro e o guardou em seguida.
- Estou falando com você. Vai responder?
- Isso é loucura - disse Shadow.
- E o resto da sua vida é bem normal? Dá um tempo, porra.
- Sei lá. Lucille Ball falando comigo pela TV é mais esquisito, em uma ordem de magnitude muito maior, do que qualquer coisa que já aconteceu comigo até agora.
- Não é Lucy Ball. É Lucy Ricardo. E quer saber o que mais? Eu nem sou ela. Este é só um jeito fácil de aparecer, tendo em vista o contexto. Só isso.
Ela se ajeitou de maneira desconfortável no sofá.
- Quem é você? - perguntou Shadow.(Neil Gaiman - Deuses Americanos - Cap 7)
- Tudo bem. Boa pergunta. Eu sou a caixa dos idiotas. Sou a TV. Eu sou o olho que vê tudo e dou o mundo do raio catódico. eu sou o tubo dos tolos… o pequeno altar na frente do qual a família se reúne para fazer suas preces.
- Você é a televisão? Ou é alguém na televisão?
- A TV é o altar. Eu sou aquilo pelo que as pessoas se sacrificam.
- Como elas se sacrificam? - perguntou Shadow.
- Dão o tempo que têm - disse Lucy. - Às vezes, umas às outras.
Ela levantou os dois indicadores e soprou a fumaça de revólveres imaginários das pontas dos dedos. então piscou um olho, aquela piscadela famosa e adorável de I Love Lucy.
- Você é uma deusa?
Lucy deu um sorriso forçado e uma tragada de dama no cigarro.
- Posso dizer que sim.
...
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