Estava mais agitado do que o de costume, ansioso, parecia trazer sua grande descoberta.
Não estivera contente com os números - que cresciam, era verdade - de almas conquistadas. Algo lhe dizia que podia ter mais e melhor.
Durante séculos cultivou a estratégia da truculência. Dono de pouca paciência, queria conquistar duma vez.
"Quanto você quer pela sua alma? Anda, dá seu preço." Ou ainda arrancar-lhes os sonhos à força. Coisa que assustava os viventes.
Foi ali, naquele dia, durante seu banho de lava e enxofre, onde as idéias sempre vinham, que percebeu.
- Cacete! (é o 'eureca!' do diabo).
Chamou uma reunião de emergência com o conselho do Caos que era formado por todo tipo de demônio. Grandes e pequenos. Alados e rastejantes, feios e horrorosos. Todos tomaram seus lugares no Caos, cochichando entre eles sobre a agitação do chefe.
- Meus amigos e companheiros dos infernos! Que a discórdia esteja com vocês. - Iniciou ele de pé na ponta da grande mesa, e prosseguiu -
Pensando em uma maneira mais eficaz de conquistar almas, destruir sonhos e matar a fé, quero lhes dar novas diretrizes e apresentar minha nova estratégia.
Todos lhe observavam na mais intranquila desordem.
- O que será que vem por aí? - deixou escapar o que tinha a cara de bicho preguiça.
- Por séculos - continuou - fomos agressivos em nossa abordagem. Ganância fez um bom trabalho comprando almas, mas a preços bastante altos.
Abordando os seres viventes com "quer vender sua alma?" acaba que assusta a maioria e quem não se assusta acaba cobrando caro demais. Além do que já temos roqueiros demais por aqui.
- Faremos o seguinte. Daremos a eles funções, quaisquer que sejam, e daremos pequenos pagamentos todo mês. Também faremos com que disputem entre si oferecendo prêmios a quem se destacar. Chamaremos isso de Meritocracia. Vaidade e Ambição, é com vocês.
- Mas o que ganhamos com isso chefe? - Quis saber Ambição.
- O business case se mostrou muito mais eficaz com este modelo de negócio. Ao invés de comprar as almas, alugaremos mensalmente. Sai mais barato e assim eles se entregam pra valer, sem melindres. Vão inventar desculpas a si mesmos e trabalharão mais e mais, vendendo fácil o que antes não tinha preço. Mamon vai adorar.
Continuou sua retórica:
- Também percebi que ao querer roubar-lhes a fé e reduzir os sonhos a pó de uma vez, fazia com que estas pestes acabassem buscando mais fé e sonhando mais, mesmo que mediocremente.
Portanto, não lhes tire tudo de uma vez, são sensíveis. Vão notar e chorar, sentir falta, abrir o berreiro. Ao invés disso Medo, vá tirando seus sonhos aos poucos; Dúvida, vá minando a fé deles de gota em gota, sem pressa, e logo teremos adquirido mais uma alma.
- Os tempos são outros, temos que nos reinventar se quisermos conquistar essas almas. - Arremeteu orgulhoso.
Um mão se levanta timidamente lá atrás.
- Pois não? - perguntou Lúcifer, o chefe.
- Mas e aquele papo, aquela… aquela tal de Graça? Não pode acabar com esse negócio de méritos?
Ele observava carrancudo o demoniozinho que perguntava.
- E também não pode, a tal da Graça se juntar à Esperança e insistir em encher os viventes com fé e sonhos? - finalizou o demoniosinho.
A empolgação havia deixado seu semblante. Levando a cabeça à mesa num movimento desanimado, dá um bufada:
- Demônios sinceros, quem precisa deles?
***
evandro l! melo
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