terça-feira, 21 de outubro de 2008

Pecadores sem maldição

Pecadores sem maldição
Ricardo Gondim
Desde a adolescência, organizei minha vida com valores religiosos. Freqüentei e lecionei em escolas dominicais. Militei em grupos de jovens cristãos. Estudei em um instituto bíblico. Conheci bem os bastidores do mundo religioso, tanto no Brasil como nos Estados Unidos. 

Sincero e zeloso, sempre procurei cumprir as exigências de todas as instituições que participei. Se a igreja não permitia as mulheres cortarem o cabelo, briguei com a minha por aparar as franjas; se era pecado ir ao cinema, eu, que não aceitava essa proibição absurda, para evitar mau testemunho, viajava para longe se queria ver algum filme.

Relevei disparates, incoerências e hipocrisias eclesiásticas, porque considerava a causa de Cristo mais importante que as pessoas. Para não "escandalizar", fazia vista grossa para comportamentos incompatíveis com a mensagem cristã. 

Abraçado às instituições, acabei conivente de mercenários, alguns intencionalmente cobiçosos. Justifiquei tolices argumentando que as pessoas eram minimamente sinceras. Nem sei como me iludi a ponto de dizer: "fulano faz bobagem, muita bobagem, mas é sincero".

Cheguei a um tempo de vida, que algumas reivindicações da religião perderam o apelo. Com tantas decepções, deixei de acreditar na pretensa santidade dos religiosos. Considero piegas as pregações de que Deus exige uma santidade perfeita. Lembro imediatamente dos malabarismos que testemunhei que tentavam falsear tantas inadequações, dos jogos de esconde-esconde para não expor demagogias.

Jesus não conviveu com gente muito certinha. Ao contrário, ele os evitava e criticava. Chamou os austeros sacerdotes de sepulcros caiados, de cegos que guiam outros cegos, de hipócritas e, o mais grave, de condenarem os prosélitos a um duplo inferno. Cristo gostava da companhia dos pecadores, que lhe pareciam mais humanos.

Jesus alistou pessoas bem difíceis para serem apóstolos; Pedro era tempestivo; Tomé, hesitante; João, vingativo; Filipe, lento em compreender; Judas, ladrão. Acostumado com os freqüentadores de sinagoga e com os doutores da Lei, por que ele não buscou seguidores nesses círculos? Talvez, não entendesse santidade e perfeição como muitos.

Jesus aceitou que uma mulher de reputação duvidosa lhe derramasse perfume; elogiou a fé de um centurião romano, adorador de ídolos; não permitiu que apedrejassem uma adúltera para perdoá-la; mostrou-se surpreso com a determinação de uma Cananéia; prometeu o paraíso para um ladrão nos estertores da morte. Sabedor das exigências da lei, por que Jesus não mediu esforços ou palavras para enaltecer gente assim? Talvez, não entendesse santidade e perfeição como muitos.

Para Jesus, santidade não significava uma simples obediência de normas. Para ele, os atos não valem o mesmo que as intenções. Adultério não se restringe a sexo, mas tem a ver com valores que podem ou não gerar uma traição. 

O ódio que explode com ânsias de matar é mais grave do que o próprio homicídio. Para ele, portanto, pecado e santidade fazem parte das dimensões mais profundas do ser humano. Lá, naquele nascedouro, de onde brotam os primeiros filetes do que se transformará em um rio, forma-se o caráter. E santidade depende da estrutura do ser, com índole que gera as decisões.

Para Jesus, santidade se confunde com integridade; que deve ser compreendida como inteireza. As sombras, as faltas, as inadequações, os defeitos, bem como as luzes, as bondades, as grandezas, as virtudes, de cada um precisam ser encaradas sem medos, sem panacéias, sem eufemismos. 

Deus não requer vidas perfeitinhas, pois ele sabe que a estrutura humana é pó; não exige correção absoluta, pois para isso, teria que nos converter em anjos.

As prostitutas, que souberem lidar com faltas e defeitos com inteireza, precederão os sacerdotes bem compostos, mas que vivem de varrer as faltas para debaixo dos tapetes eclesiásticos. O samaritano, que traduziu humanidade em um gesto de solidariedade, é herói de uma parábola que descreve como herdar o céu. O tempestivo Pedro, que transpirava sinceridade, recebeu as chaves do Reino de Deus. A mulher, que fora possessa de sete demônios, anuncia a alvissareira notícia da ressurreição.

Os mandamentos e a lei só serviram para mostrar que para produzir humanidade não servem os legalismos. Integridade e santidade nascem  do exercício constante de confrontar suas luzes e sombras trazendo-as diante de Deus e mesmo assim saber-se amado por Ele.

Soli Deo Gloria.


quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O segredo de agradar a Deus.

Achei este texto escrito pelo Gondim em seu site. É incrível como ele consegue escrever meus pensamentos e sentimentos.

O texto que segue abaixo exprime muito do que eu penso sobre viver, sobre como agradar a Deus.

Uma passagem da Bíblia que sempre me vem à cabeça, é Jesus falando que o céu pertence às crianças, que se quisermos ter a morada eterna, temos que ser como crianças.

E quem nesse mundo vive melhor do que as crianças? Criança vive cada dia como se fosse o último, curte, aproveita, brinca até se cansar a cada dia.

Criança não se preocupa com o dia de amanhã, criança é humilde, criança é.... criança!

Que Deus tenha misericórdia de nós, que não sabemos gastamos nossa vida com vaidades!

Boa leitura!



_________________________________________________________
Portanto, vá, coma com prazer a sua comida e beba o seu vinho de coração alegre, pois Deus já se agradou do que você faz – Eclesiastes 9.7.

José Fulano de Tal morreu ontem. Pobre homem! Consciente dos seus deveres, nunca atrasou no relógio de ponto. Jamais perdeu um trem. Era impensável que acelerasse no sinal amarelo. Correto, pagou todas as suas prestações na data exata. Vestiu a mesma camisa até puir o colarinho. Sempre elegeu o candidato que votou. Leu o jornal diariamente. Teve um enterro comedido, sem muita emoção, parecido como a sua existência.

José Fulano de Tal foi assíduo membro de uma igreja. Submeteu-se aos regulamentos e exigências de sua religião - seu maior desejo na vida era agradar a Deus. Trabalhou incansavelmente nos mutirões do bairro. Contribuiu com entidades filantrópicas. Em sua última jornada, os amigos, parentes e curiosos caminharam circunspetos pelas alamedas do cemitério. Despediam-se de um homem que não conseguiu viver.

José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta gostar, mas gostar mesmo, de poesia. No poema, a palavra ganha ritmo para sincronizar-se com o pulsar do universo. E nessa magnífica, porém silenciosa palpitação, ressoa a voz do Divino.

José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta achar tempo para ouvir música. Quando melodia e rima se acasalam, nasce a sublime sonoridade do Paraíso. O Pai Eterno sorri quando seus filhos se aquietam para escutar os artesãos dos salmos, dos noturnos, das toadas, dos réquiens, das cantatas, das óperas, das polcas, do samba, dos hinos, dos recitais, dos corais, do jazz, da bossa-nova.

José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta amar os livros. É prazeroso para Deus, ver os filhos transcendendo para mundos imaginários através da prosa, da narrativa. Os romances dissecam a alma humana, enaltecem a virtude, expõem a crueldade e quando não sofrem censura, descrevem a realidade crua da vida.

José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta transformar cada refeição em um ágape, cada aperto de mão em uma aliança e cada abraço em uma declaração de amor.

José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta deixar-se conduzir por um vento desatento, rumo ao horizonte inatingível; e esperar por um porvir insubstancial. Já que Deus gosta de prados selvagens e de matas sem cercas, viver é arriscar-se. Deus sabe desenhar o arco-íris com as gotas do ribeiro que despenca no precipício. Portanto, só vive quem não teme esvaecer.

José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta gostar de vinho, de doce de leite, de tapioca com manteiga, de filme de amor, de esporte, de meia hora de sono extra no feriado, de bolo de milho, de cafuné, de beijo, de viagem de férias com dois dias sobrando para descansar do descanso.

José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta chamar Deus de Pai ou de Mãe.


Ricardo Gondim.

Soli Deo Gloria.