segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Na noite de Natal eu vi Jesus

"O Rei responderá: 'Digo-lhes a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram..." (Mat 25:31-46).

Na noite de Natal eu vi Jesus. É disso que se trata este conto pós Natal. Na noite de Natal eu vi o motivo da festa, Jesus.

Não foi em meio à minha reunião com a família, onde Ele certamente também estava. Também o senti neste jantar, na farta mesa que graças a Ele tivemos, na alegria que emanava em gritos e risos das crianças, nos abraços e na comunhão, também o senti em tudo isso.

Mas foi voltando para casa, passada a virada, a chegada do Natal, que eu vi Jesus. Estava perto de casa, na forma como Ele costuma vir, como a menor das criaturas.
Estava como um mendigo, acampado na rua debaixo, dormindo sob madeiras que improvisavam uma casa. Sorte a Dele que era uma noite de calor, sofria menos assim.

Jesus que há muito tempo veio como uma criança indefesa, nascida pobre num manjedoura sujo, úmido que fedia a bicho, agora dormia no chão duro, desprotegido numa rua suja.

São dias difíceis este que Jesus está passando, talvez pela data, que deveria ser de alegria, mas que há tempos não encontra motivos para comemorá-la, talvez por isso Jesus nesta noite não suportou a dor e se entregou a uma garrafa de cachaça. A cachaça fora sua companheira nesta noite de Natal, sequer um cachorro matusquela o acompanhou.

Pobre Jesus.

Jesus que tem um nome, uma história, uma vida, como qualquer um de nós, agora estava largado, esquecido, apagado.

Pobre Jesus.

Mas o Natal existe, Natal que é nascer, fez nascer em mim compaixão ao passar por Ele e ao menos preparar uma cesta para que Jesus tivesse uma ceia de Natal.

A cesta não era tão farta quanto meu jantar, mas foi o que eu acho que pude fazer de melhor. Um chocotone delicioso que estava guardando para comer qualquer dia desses, uma garrafa (a última) de coca-cola geladinha, alguns salgadinhos e um livrinho para distrair Jesus.
Dei o que eu tinha, não o que me sobrou.

Preparei tudo com carinho e ainda na noite de Natal fui até a casa de Jesus. Não quis incomodar Ele que dormia tranquilamente.
Sem fazer barulho, deixei a cesta ao seu lado, e disse: - Deus o abençoe meu caro.

Voltei para casa pensando em Jesus. Feliz por ter visto Jesus, triste por ter visto Jesus naquela situação.

O Natal deste ano fez sentido pra mim. Algo em mim nasceu.


Evandro L! Melo

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O natal do lado de lá

Um pequeno conto de natal, que procura mostrar o Natal que busco, que entendo, que desejo.

Basta clicar AQUI para ver o singelo livrinho digital que criei. Bem amador, mas com amor e agora com ilustrações do Nuno Junior, um amigo nada vaidoso.

Jesus nasceu, por isso, Feliz Natal.

Mais Natais aqui:
O menino sumiu
Os paradoxos do Natal

Evandro L! Melo


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

21 de Dezembro

Lisavieta acordava todos os dias às 8hs. Não antes, pois dava olheiras, nem depois, que lhe deixava com o rosto inchado. Às 8hs.
Em seu pequeno apartamento, decorado à época, no que hoje chamaríamos vintage, se arrumava para sair. Com espelhos por todos os cantos, não se cansava de se olhar.

O café da manhã era apenas comida integral. Fazia isso para manter a pele macia e os cabelos sedosos.

Grande parte de seu tempo era gasto sentada em sua penteadeira, a qual tinha imenso apreço, frente ao espelho. A penteadeira branca, com as extremidades arredondadas, lembrava os contos de fada. Os pés tinham seu prórpio charme, sustentava, todo o peso com elegância de miss. O espelho, ao qual se olhava sem parar, era composto por uma parte maior ao centro e dois menores dos lados. Tinham os cantos arredondados e a moldura esculpida em madeira, com ornamentos lembrando flores.

Cuidava da pele, depois se maquiava e, por último, penteava os cabelos, negros como seus olhos, lisos e curtos, na altura das maçãs do rosto. Aquilo era mais do que uma rotina, se tornara um ritual.
O guarda-roupa era repleto de belas roupas. Para festas, ocasiões formais, embora ela fosse a pouquíssimas, e para o dia a dia. Curioso é que mesmo para o que ela chamava de dia a dia, eram roupas belíssimas, finas.

Não gostava do inverno, deixava sua pele ressecada, tampouco do verão que deixava oleosa.
Era apaixonada pela primavera, a estação perfeita. Clima ideal para passear nas ruas, todas floridas. O romance estava sempre no ar da primavera.
Até mesmo as estáticas construções, de aço e concreto, pareciam diferentes. Ganhavam um tom animado aos raios de sol. As flores davam um novo colorido ao cinza azulado do concreto. Na primavera, era quando Lisavieta mais saía para seus passeios.

Tinha o rosto animado, um ar de sonhadora, como tinham as adolescentes entregues às primeiras paixões. Seus olhos, como duas jabuticabas, brilhavam perolados.
Seu andar era lento, sem pressa alguma. Seus olhos percorriam todo o ambiente, bservando detalhes invisíveis à maioria.

Um pequeno galho, composto por apenas uma folha e uma flor, se desprende do alto de sua morada e cai numa dança rodopiante, mostrando sua graça.
Um bando de maritacas que se amontoam e falam freneticamente, possivelmente todas comentando o quão boa era a estação.
E o vento parecia apaixonado por Lisavieta. Romântico, se apressava antes dela, chacoalhava os ipês roxos e amarelos e assim formava um colorido tapete para ela passar.
Lisavieta com seu chapéu, pequeno e ajustado, ornamentado com uma flor, ao se encontrar com o vento, segurava o chapéu e reclamava. O vento, por sua vez, sorria.

Caminhando em ruas de paralelepípedos, Lisavieta passara em frente a um charmoso café. Entrou, sentou-se à mesa e pediu um, com pouco açúcar.
Começara a ler seu livro, um romance, quando fora surpreendida com um botão de rosa que aparecera à sua frente. Abaixou o livro e notou que na ponta do cabo da flor, tinha um rapaz. Bem vestido, com terno e colete pretos, gravata vermelha e camisa branca. Tinha a pele morena, traços finos, cabelos bem penteados. Trazia na outra mão, colado ao peito, seu chapéu, como era o costume da época.

O rapaz sorria, seus olhos brilhavam, não escondendo sua pura admiração. Lisavieta ruborizou-se. As maçãs de seu rosto ficaram rosas, quase vermelhas. Seus olhos não conseguiam esconder sua feliz surpresa. Com as mãos levemente trêmulas, aceitou a flor e com um gesto meigo e tímido a levou ao nariz, sentindo seu perfume.
Colocou a flor entre as páginas de seu romance, como um marca-páginas, e agradeceu.
Conversaram brevemente e o cortês rapaz se despediu, com um respeitoso beijo em suas mãos.
"Como eram macias", lembrou ele tempos depois.

Lisavieta terminou seu café e voltou para seu apartamento. Tinha o olhar distante, passava repetidamente o filme daquele momento em sua mente. Apressou-se em colocar sua rosa em um vaso com água e a deixou em sua penteadeira, onde poderia contemplar horas e horas. No resto daquele dia não pensara em outra coisa e naquela noite sonhou que dançava no ar, como uma bailarina encantada.

Na manhã seguinte, logo após sair da cama, foi até a penteadeira. Olhou a flor, que já não era mais a mesma que outrora, levantou os olhos e se deparou com o espelho, que não se preocupava em esconder nada. Um frio percorreu seu corpo indo descansar em seu estômago.

No outro dia, sem coragem de se ver recém saída da cama, preferiu se arrumar primeiro. Depois, sentada em sua penteadeira, frente ao espelho, terminava sua maquiagem quando uma pétala de sua flor se desprendera e caíra. Lágrimas rolaram.
Ao observar a flor, notara que desbotara, assim como seu rosto, agora borrado pelas lágrimas.

Dia após dia observava a beleza se esvaindo.

A flor murchou, secou, morreu.

Sentada em frente à penteadeira, Lisavieta acompanhou o ciclo. Jamais levantara dali novamente.
Murchou, secou e morreu.

A primavera chegara ao fim.



Evandro L! Melo

Este conto também encontra-se incontido no livro inCONTidOS.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Vaidade


O vaidoso, estufa o peito e grita aos montes, todo garboso:
- Eco…
Em resposta só escuta:
- Ego, Ego, ego…

Evandro L! Melo

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sobre Pensar

Sobre Pensar é um coletivo de pensadores (pessoas que pensam que pensam) que procuram uma maneira de expressar o que não conhecem bem.
 Um projeto simples onde algumas pessoas darão suas graças a um tema em comum.



Além deste que vos escreve estas mal escritas linhas, o Sobre Pensar conta também com
Nuno Junior, designer/publicitário consagrado, vencedor de 2 Leões de Cannes,
João Guilherme, jornalista aclamado, vencedor de 1 prêmio Pulitzer e cofundador do Wikileaks; e
Denis Campos, músico/poeta dono de uma carreira sólida e reconhecida, tem parcerias importantes com Bono Vox, e busca seu 1o Disco de Platina.

Além da participação de convidados especiais.

Vale a visita, o comentário, sugestão, crítica... até xingar e ofender a honra alheia.

Visite lá: http://sobrepensar.tumblr.com

Evandro L! Melo

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A vida, o vento

A vida é como o vento
A sentimos a todo momento
passando,
sem parar,
sem voltar.

Evandro L! Melo
Ilustração de Uiara F'Melo

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

livre



"Livre é a borboleta, que só vive um dia e o faz voando."

Evandro L! Melo

domingo, 5 de dezembro de 2010

Formiga só trabalha porque não sabe cantar

Disseram-me:
-Vai ter com a formiga, ó preguiçoso.
Eu fui, estendi uma rede e fiquei lá vendo a bichinha trabalhar.

Evandro L! Melo

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Escrivão de mim


disse e repeti aqui que não sou dono de mim mesmo. Ao contrário do que por muito tempo imaginei, meu corpo não é uma máquina pilotada por meu cérebro. Não faço o que eu quero, mas o que a vida tem pra mim.

Poucas são as vezes em que para criar algo, escrever por exemplo, eu tenho o controle da situação, e essas poucas vezes são as vezes que as coisas saem pior.
Eu controlar significa eu pegar a idéia e procurar a melhor rima, a melhor frase, a melhor forma de encaixar isso e aquilo.

O que na maioria das vezes acontece é que tudo me vem de uma vez, as idéias, as palavras, as rimas e as frases vem em mutirão, me inundam o lado esquerdo do cérebro e eu apenas num ímpeto obedeço e corro anotar o que me chegou.

A cabeça pensa, a mão escreve… E eu? que parte tenho nisso?   
Sou um escrivão do meu sub consciente.

Se eu fosse espírita diria que é psicografia, mas não, isso não vem do além, vem do meu sub consciente.

Pode parecer então que eu não tenho parte alguma nesse processo, que apenas espero as palavras terem vontade de se tornarem histórias e viajarem para minha mente.
Porém o universo caótico onde vivem as palavras é a memória, que se não alimentada corretamente não produzirá nada novo.

Preciso me alimentar bem, para que a criatividade surja e eu volte a ser apenas o escrivão de mim mesmo.

Evandro L! Melo