segunda-feira, 30 de junho de 2008

A falácia do sucesso

Por Paulo Brabo


Estocado em Goiabas Roubadas, Sociedade

Tem surgido no nosso tempo uma classe particular de livros e de artigos que penso de forma sincera e solene podem ser chamados dos mais imbecis conhecidos entre os homens. Trata-se de coisa muito mais extravagante do que os mais extravagantes romances de cavalaria e muito mais maçante do que os mais maçantes tratados religiosos. Além disso os romances de cavalaria eram, pelo menos, sobre cavalaria, e os tratados religiosos sobre religião. Essas coisas, no entanto, são sobre coisa alguma; são sobre o que se chama sucesso.

Em cada estante e em cada revista você encontra obras ensinando às pessoas como serem bem sucedidas. São livros que mostram às pessoas como obter sucesso em tudo, e são escritos por gente incapaz de sucesso até mesmo na sua iniciativa de escrever livros.

Para começar não existe, naturalmente, essa coisa chamada sucesso. Ou, se você quiser colocar a coisa dessa forma, não há nada que não seja bem-sucedido. Que uma coisa seja bem-sucedida quer dizer apenas que ela é; um milionário é bem sucedido em ser um milionário e um jumento é bem sucedido em ser um jumento. Todo homem vivo tem tido sucesso em manter-se vivo, e qualquer homem morto pode ter tido sucesso em cometer suicídio. Porém, se ignorarmos a má lógica e a má filosofia do conceito, podemos tomá-lo, como fazem esses autores, no sentido usual de sucesso em ganhar dinheiro ou posição social.

Esses autores alegam ensinar ao leitor comum como obter sucesso em seu ofício ou ramo de atividade – como, se ele é construtor, ter sucesso como construtor; como, se é corretor da bolsa, ter sucesso como corretor da bolsa. Afirmam mostrar a ele como, se é dono de mercearia, pode tornar-se um iatista profissional; como, se é um jornalista de décima categoria, pode tornar-se um aristocrata; como, se é um judeu alemão, pode tornar-se anglo-saxão.

Isso eles propõem de forma definida e metódica, e penso que as pessoas que compram esses livros (se é que alguém os compra) tenham o direito moral, se não legal, de exigirem o seu dinheiro de volta. Ninguém ousaria publicar um livro sobre eletricidade que não contivesse literalmente coisa alguma sobre eletricidade; ninguém ousaria publicar um artigo sobre botânica que mostrasse que o autor desconhece qual extremidade da planta cresce dentro da terra. No entanto nosso mundo está repleto de livros sobre sucesso e sobre gente bem sucedida que não contém nenhum tipo de idéia e praticamente nenhum tipo de coerência verbal.

Deveria parecer perfeitamente óbvio que em qualquer ocupação decente (como por exemplo, a construção de muros ou a autoria de livros) há apenas dois modos de ser bem sucedido. O primeiro é fazendo-se um bom trabalho, o segundo é trapaceando. Ambos são simples demais para requererem qualquer explicação literária. Se o seu negócio for salto em altura, ou você salta mais alto do que qualquer outra pessoa ou consegue de alguma forma fingir que conseguiu. Se você quer ter sucesso como jogador de bridge, ou você aprende a ser um bom jogador de bridge ou joga com cartas marcadas. Você pode recorrer a um livro sobre salto em altura, a um livro sobre bridge ou um livro sobre como trapacear no bridge. Mas você não vai querer recorrer a um livro sobre sucesso – especialmente um livro sobre sucesso como os que você encontra espalhados às centenas no mercado editorial. Você pode querer saltar ou jogar cartas, mas não vai querer ficar lendo declarações obtusas do tipo "saltar é saltar", ou "jogos são vencidos por vencedores".

Se esses autores fossem, por exemplo, dizer alguma coisa sobre o sucesso no salto em altura, soaria mais ou menos assim: "O competidor de salto deve ter um objetivo claro diante de si. Deve desejar de forma muito definida saltar mais alto do que todos os outros atletas na mesma competição. Não deve deixar que frívolos sentimentos de compaixão o impeçam de dar o melhor de si. Deve ter em mente que uma competição de salto é essencialmente competitiva e que, como demonstrado gloriosamente por Darwin, OS MAIS FRACOS IRÃO PARA O MURO DE FUZILAMENTO". É esse o tipo de coisa que o livro diria, e muito útil seria, sem dúvida, se lida por uma voz grave e tensa a um jovem logo antes de empreender o seu salto.

Supondo que no curso de suas divagações intelectuais o filósofo do sucesso acabasse examinando nosso outro caso, o do jogador de cartas, sua estimulante recomendação seria: "No ato de jogar cartas é inteiramente necessário evitar o erro comum de permitir que seu adversário vença o jogo. Você deve ter garra e coragem, e entrar para ganhar. Os dias de idealismo e de superstição terminaram. Vivemos numa época de ciência e de senso comum, e já foi definitivamente provado que em qualquer jogo onde dois competem, SE UM NÃO VENCER, É O OUTRO QUE VENCE". Tudo muito empolgante, naturalmente, mas confesso que se fosse jogar cartas daria preferência a um livrinho decente que me ensinasse as regras do jogo. Para além das regras do jogo é tudo uma questão de talento ou desonestidade.

Folheando uma revista muito popular encontro um exemplo ao mesmo tempo estranho e cômico. Trata-se de um artigo intitulado "O instinto que faz as pessoas enriquecerem", decorado com um retrato formidável de Lord Rothschild. É fato que existem muitos métodos definidos, tanto honestos quanto desonestos, de enriquecer, mas que eu saiba o único "instinto" capaz dessa façanha é o instinto que a teologia cristã descreve grosseiramente como "o pecado da ganância". Isso, no entanto, não vem ao ponto. Quero citar os impagáveis parágrafos que seguem como exemplo típico do conteúdo dos livros que falam sobre como se alcançar o sucesso. São sempre muito práticos, e deixam pouca dúvida sobre qual deverá ser o passo seguinte:

O nome Vanderbilt é sinônimo de riqueza no mundo empresarial contemporâneo. Cornelius Vanderbilt, fundador da família, foi o primeiro dos grandes magnatas do comércio norte-americano, tendo começado como o filho de um fazendeiro pobre e terminado como multimilionário.

Cornelius possuía o instinto de fazer dinheiro. Ele agarrava suas oportunidades, oportunidades que no seu caso surgiram com aplicação da máquina a vapor no comércio oceânico e com o desenvolvimento do transporte ferroviário num rico mais ainda subdesenvolvido Estados Unidos da América. Conseqüentemente, acumulou uma enorme fortuna.

É evidente que hoje em dia não podemos todos seguir precisamente os mesmos passos tomados por este monarca das ferrovias. As oportunidades muito precisas concedidas a ele não aplicam-se a nós. Porém, embora não seja dessa mesma forma, podemos ainda assim, em nossa própria esfera de circunstâncias, seguir seus métodos gerais. Podemos agarrar as oportunidades que nos são concedidas, dando a nós mesmos uma chance muito real de obtermos riqueza.

É em declarações bizarras como essas que podemos ver com clareza o que está realmente por trás de todos os artigos e livros dessa natureza. Não se trata de mero negócio; não se trata nem mesmo de mero cinismo. Trata-se de misticismo, o horrendo misticismo do dinheiro. O autor dessa passagem não tem na verdade a mínima idéia de como Vanderbilt fazia o seu dinheiro, ou de como qualquer outra pessoa pode fazer o seu. Ele, porém, conclui suas observações defendendo um programa; e é um programa que não tem absolutamente nada a ver com Vanderbilt.

Tudo que o autor tencionava fazer era prostar-se diante do mistério de um multimilionário. Pois, quando queremos prestar verdadeira adoração a alguma coisa, amamos não apenas sua clareza, mas também sua obscuridade. Exultamos na sua invisibilidade. Assim, por exemplo, um homem apaixonado por uma mulher encontra prazer particular no fato de que as mulheres sejam incompreensíveis. Da mesma forma o poeta piedoso, ao celebrar o Criador, encontra prazer em afirmar que Deus age de modos misteriosos.

Ora, o autor dos parágrafos que citei não parece ter coisa alguma a ver com um deus, e não vejo qualquer evidência (diante da impraticabilidade de suas recomendações) de que já tenha se apaixonado de verdade por uma mulher. Mas a coisa que ele sem dúvida alguma venera – Vanderbilt – ele trata precisamente dessa maneira mística, deleitando-se no fato de que sua divindade Vanderbilt guarde dele algum segredo. E sua alma enche-se de uma espécie de arrebatamento de astúcia, um êxtase de clericalismo, quando ele finge estar revelando à multidão o terrível segredo que ele mesmo desconhece.

Falando do instinto que enriquece as pessoas, o mesmo autor observa:

Na Antiguidade a existência desse instinto era compreendida por completo. Os gregos reverenciavam a história de Midas, o homem que transformava em ouro tudo que tocava. Sua vida era um constante avanço em meio às riquezas: de tudo que aparecia no seu caminho ele criava o metal precioso. "Uma lenda tola", diziam os sabichões da era vitoriana; "uma verdade", dizemos hoje em dia.

Todos conhecemos homens como esse. Estamos constantemente encontrando ou lendo sobre gente que transforma em ouro tudo que toca. Cada passo dessas pessoas é marcado por sucesso. Suas vidas são uma trajetória infalível de ascensão. São incapazes de fracassar.

Infelizmente, no entanto, Midas era capaz de fracassar – e fracassou. Sua vida não foi uma trajetória infalível de ascensão. Midas morreu de fome porque quando tocava um biscoito ou um sanduíche de presunto eles se transformavam em ouro. Essa é na verdade a moral da história, embora o autor se veja obrigado a suprimi-lo, delicadamente, por completo – talvez por estar escrevendo tão perto do retrato de Lord Rotschild.

As velhas fábulas da humanidade são, de fato, insondavelmente sábias, mas não devemos ter parte do seu conteúdo expurgado a fim de proteger os interesses do Sr. Vanderbilt. Não devemos engolir o rei Midas sendo representado como exemplo de sucesso, quando foi um fracasso de natureza particularmente dolorosa. E tinha, além disso, orelhas de burro. E conseguia, além disso (e como muitas outras pessoas famosas e abastadas) esconder dos outros essa condição. Se bem recordo era apenas o seu barbeiro que tinha acesso ao conhecimento dessa peculiaridade; e esse barbeiro, ao invés de agir como o tipo de pessoa que persegue o Sucesso-a-todo-custo e chatangear o rei em troca do seu silêncio, foi e sussurrou esse escabroso escândalo da sociedade nas orelhas dos juncos, que deleitaram-se enormemente em sabê-lo. Conta-se que os juncos repassaram-no então aos ventos que os embalavam para frente e para trás.

Olho com reverência para o retrato de Lord Rothschild; leio com reverência sobre as façanhas do Sr. Vanderbilt. Sei que sou incapaz de transformar em ouro tudo em que toco; porém sei também que nunca tentei, tendo uma preferência pessoal por outras substâncias, coisas como grama e um bom vinho. Sei que essas pessoas sem dúvida obtiveram sucesso em alguma coisa; sei que sem dúvida sobrepularam alguém; sei que são reis num sentido em que nenhum rei jamais foi antes deles; sei que criam mercados e cavalgam continentes. Porém parece-me sempre que há algum pequeno fato doméstico que vivem escondendo, e penso por vezes ouvir no vento a gargalhada e o sussurro dos juncos.

Tudo que podemos esperar é viver o bastante para vermos esses absurdos livros sobre sucesso cobertos com o escárnio e o abandono que lhes cabe. Não ensinam as pessoas a serem bem-sucedidas, mas ensinam-nas a serem esnobes; conseguem alastrar uma espécie de poesia maligna de materialismo.

Os puritanos denunciam continuamente livros que inflamam a lascívia. O que deveríamos dizer dos livros que inflamam as paixões (mais vis) da ganância e do orgulho?

Há cem anos tínhamos o ideal do Aprendiz Esforçado. Dizia-se aos meninos que com frugalidade e empreendedorismo podiam chegar todos a Senhores da Nobreza. Era mentira, mas era uma mentira viril, e possuía um mínimo de verdade moral. Em nossa sociedade a temperança não irá ajudar um pobre a enriquecer, mas poderá ajudá-lo a olhar para si mesmo com respeito. Um bom trabalho não fará dele um homem rico, mas um bom trabalho fará dele um bom trabalhador. O Aprendiz Esforçado surgiu de virtudes que eram escassas e estreitas, mas ainda assim virtudes. Mas o que dizer do evangelho pregado ao novo Aprendiz Esforçado – o aprendiz que não ascende por meio de suas virtudes, mas declaradamente através de seus vícios?

G. K. Chesterton
All Things Considered (1909)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Se Deus é bom, porque existem maldades no mundo?

Amigos, esta mensagem do Ed René me abençoou de uma maneira inexplicável e com certeza poderá te abençoar também.
Consegui achar um resumo da mensagem em texto, segue abaixo, mas a mensagem em áudio é muito mais completa e muito boa.
Recomendo a todos que leiam o texto e ouçam a mensagem, com certeza irá acrescentar muito à sua vida cristã.

Para baixar a mensagem em áudio, clique AQUI.

Fiquem na PAZ


Teodicéia

Ed René Kivitz.

Acho que Epicuro foi quem formulou a questão a respeito da relação
entre a onipotência e a bondade de Deus. A coisa é mais ou menos
assim: se Deus existe, ele é todo poderoso e é bom, pois não fosse
todo-poderoso, não seria Deus, e não fosse bom, não seria digno de
ser Deus. Mas se Deus é todo-poderoso e bom, então como explicar
tanto sofrimento no mundo? Caso Deus seja todo-poderoso, então ele
pode evitar o sofrimento, e se não o faz, é porque não é bom, e
nesse caso, não é digno de ser Deus. Mas caso seja bom e queira
evitar o sofrimento, e não o faz porque não consegue, então ele não
é todo-poderoso, e nesse caso, também não é Deus. Escrevendo
sobre a Tsunami que abalou a Ásia, o Frei Leonardo Boff resume: “Se
Deus é onipotente, pode tudo. Se pode tudo porque não evitou o
maremoto? Se não o evitou, é sinal de que ou não é onipotente ou
não é bom”.
Considerando, portanto, que não é possível que Deus seja ao mesmo
tempo bom e todo-poderoso, a lógica é que Deus é uma
impossibilidade filosófica, ou se preferir, a idéia de Deus não faz
sentido, e o melhor que temos a fazer é admitir que Deus não existe.
Parece que estamos diante de um dilema insolúvel. Mas Einstein nos
deu uma dica preciosa. Disse que quando chegamos a um “problema
insolúvel”, devemos mudar o paradigma de pensamento que o criou.
O paradigma de pensamento que considera o binômio
“onipotência/bondade” como ponto de partida para pensar o caráter
de Deus nos deixa em apuros. Existiria, entretanto, outro paradigma
de pensamento? Será que as palavras “onipotência” e “bondade” são
as que melhor resumem o dilema de Deus diante do mal e do
sofrimento do inocente? Há outras palavras que podem ser colocadas
neste quebra-cabeça?
Este problema foi enfrentado por São Paulo, apóstolo, em seu debate
com os filósofos gregos de seu tempo. A mensagem cristã era muito
simples: Deus veio ao mundo e morreu crucificado. Pior do que isso:
Deus foi crucificado num “jogo de empurra” entre judeus e romanos,
isto é, diferentemente dos outros deuses, o Deus cristão foi morto
não por deuses mais poderosos, mas por homens. Sendo Deus,
jamais poderia ser morto por mãos humanas, e sendo o Deus
onipotente, jamais poderia nem mesmo ser morto. Paulo, apóstolo,
estava, portanto, diante de um dilema semelhante ao proposto por
Epicuro: Deus era uma impossibilidade filosófica.
Foi então que os apóstolos surgiram com uma resposta tão genial que
os cristãos acreditamos que foi soprada pelo Espírito Santo: antes de
vir ao mundo ao encontro dos homens, Deus se esvaziou da sua
onipotência[i], isto é, abriu mão do exercício de sua onipotência, e
por amor[ii], deixou-se matar por eles[iii]. (Eu disse que “Deus
abriu mão do exercício de sua onipotência”, bem diferente de “Deus
abriu mão de sua onipotência”).
O apóstolo Paulo admitia que não era possível pensar em Deus sem
considerar o binômio bondade/onipotência. Optou pela palavra amor,
assim como o apóstolo João, que afirmou “Deus é amor”[iv]. Jesus
de Nazaré foi Deus encarnado na forma de Amor, e não Deus
encarnado na forma de Onipotência.
Isso faz todo o sentido. Um Deus que viesse ao encontro das pessoas
em trajes onipotentes chegaria para se impor e reivindicar obediência
irrestrita, impressionando pela sua majestade e força sem iguais.
Jung Mo Sung adverte que “a contrapartida do poder é a obediência,
enquanto a contrapartida do amor é a liberdade”. Também assim
pensou o apóstolo Paulo, ao afirmar que o que constrange as pessoas
a viver para Deus é o amor de Deus (demonstrado na morte de Jesus
na cruz)[v], e nunca o poder de Deus.
Na verdade, “Deus não tinha escolha”. Ao decidir criar o ser humano
à sua imagem e semelhança, deveria criá-lo livre. Desejando um
relacionamento com o ser humano, deveria dar ao ser humano a
liberdade de responder voluntariamente ao seu amor, sob pena de
ser um tirano que arrasta para sua alcova uma donzela contrariada.
Somente o amor resolveria esta equação, pois somente o amor dá
liberdade para que o outro seja livre, inclusive para rejeitar o amor
que se lhe quer dar.
André Comte-Sponville é um ateu confesso (sei que vou levar
pedradas) que discorre a respeito do amor divino como poucos que já
li. Acredita que o amor divino é um ato de diminuição, uma fraqueza,
uma renúncia. Usa os argumentos de Simone Weil: “a criação é da
parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de
renúncia. Deus e todas as criaturas é menos do que Deus sozinho.
Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou de si uma parte do ser.
Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. É por isso que João diz
que o Cordeiro foi degolado já na constituição do mundo. Deus
permitiu que existissem coisas diferentes Dele e valendo
infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo,
como Cristo nos prescreveu nos negarmos a nós mesmos. Deus
negou-se em nosso favor para nos dar a possibilidade de nos negar
por Ele. As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância
voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência
aparente e sua presença secreta aqui embaixo, essas religiões são a
verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande
Revelação. As religiões que representam a divindade como
comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo são falsas.
Mesmo que monoteístas, são idólatras” [vi].
Você já imagina onde quero chegar. Isso mesmo, entre a onipotência
e a bondade de Deus existe a liberdade do homem, e o compromisso
de Deus em respeitar esta liberdade. Isso ajuda a entender porque
existe tanto sofrimento no mundo. O mal não procede de Deus e não
é promovido ou determinado por Deus. O mal é conseqüência
inevitável da liberdade humana, que teima em dar as costas para
Deus e tentar fazer o mundo acontecer à sua própria maneira. Diante
do mal e do sofrimento, o Deus com os homens, encarnado em Amor,
também sofre, se compadece, tem suas entranhas movidas de
compaixão[vii].
Mas você poderia perguntar por que razão Deus não acaba com o
mal. Isso é simples: Deus não acaba com o mal porque o mal não
existe, o que existe é o malvado. O mal não é uma entidade ao lado
de Deus. O mal é o resultado de uma ação humana em afastar-se do
Deus, sumo bem. O monoteísmo cristão afirma que há um só Deus, e
que o mal é a privação da presença de Deus. Os cristãos não somos
dualistas que postulamos a existência do bem e do mal. O mal é
apenas a ausência do bem. Por isso, o mal não existe, o que existe é
o malvado, aquele que faz surgir o mal porque se afasta de Deus, o
supremo e único bem.
Ariovaldo Ramos me ensinou assim, e completou dizendo que “para
acabar com o mal, Deus teria que acabar com o malvado”. Mas,
sendo amor, entre acabar com o malvado e redimir o malvado, Deus
escolheu sofrer enquanto redime, para não negar a si mesmo
destruindo o objeto do seu amor. Por esta razão Deus “se diminui”,
esvazia-se de sua onipotência, abre mão de se relacionar em termos
de onipotência-obediência, e se relaciona com a humanidade com
base no amor, fazendo nascer o sol sobre justos e injustos[viii], e
mostrando sua bondade, dando chuva do céu e colheitas no tempo
certo, concedendo sustento com fartura e um coração cheio de
alegria a todos os homens[ix].
É uma pena que Epicuro não tenha lido os apóstolos cristãos, e nem
tenha assistido às aulas de Jung Mo Sung.
____________________
[i] Carta aos Filipenses 2.6-8
[ii] Evangelho de João 3.16
[iii] Atos dos Apóstolos 2.23
[iv] Primeira Carta de João 4.7
[v] 2Coríntios 5.14,15
[vi] Comte-Sponville, André, Pequeno tratado das grandes virtudes,
São Paulo: Martins Fontes, 1995, Capítulo 18: Amor.
[vii] Evangelho de São Mateus 9.36; 14.14
[viii] Evangelho de São Mateus 5.44,45
[ix] Atos dos Apóstolos 14.17
Uma colaboração de ÁLVARO DE AMORIM GARCIA XIMENES.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Cansaço

"Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu
vos aliviarei" (Mateus 11:28).

O crescimento que surge do cansaço pode nos trazer muitas
experiências espirituais. Nós podemos estar cansados de
esperar; cansados de estudar e aprender; cansados de
combater o inimigo; cansados de crítica e perseguição. Nossa
força tem seus limites ... há momentos que sentimos
desaparecer os pés debaixo de nosso corpo. Quanto mais
demora este tempo de cansaço, mais o sentimos invadindo
nosso interior, sufocando nossa garganta, estrangulando
nossa esperança, nossa motivação, nosso entusiasmo, nosso
otimismo, nosso encorajamento.

Precisamos entender que Deus não nos dispensa força e
coragem como um farmacêutico em sua prescrição. O Senhor não
promete nos dar algo pra tomar que nos ajude a lidar com
nossos momentos de cansaço. Ele nos promete a Ele mesmo.
Isto é tudo. Isto é suficiente. O Salvador diz: "Vinde a
mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos
aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim,
que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para
as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é
leve".

Muitas vezes nos deixamos abater pelas intempéries da vida.
O desânimo toma conta de nossa determinação, a ousadia cede
espaço para o conformismo, a fé parece um objeto de enfeite
sem utilidade.

Mas não podemos permitir que isso aconteça. Quando as forças
desaparecem e o cansaço das tentativas fracassadas sussurram
em nosso ouvidos para desistir, devemos encher os pulmões
espirituais do ar da graça do Senhor e crer que tudo
passará. O cansaço passará, o desânimo passará, as decepções
desaparecerão. Contamos com Cristo, com Sua presença
poderosa, com Seu amor infinito, Com Suas mãos protetoras,
com Suas promessas de vitória.

Ele está ao nosso lado, amoroso, forte, incansável. Não há
cansaço que resista à Sua presença.

Pr. Paulo Roberto Barbosa