terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Tiago e a cura pela conversa


"Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para serem curados. A oração de um justo é poderosa e eficaz." Tiago 5:16


Tiago, muito antes de Freud, já sabia que a palavra cura. Ele já defendia a 'cura pela conversa', tão defendido por Freud em seus estudos.

Confessar os pecados uns aos outros, nada mais é (na minha visão) que se abrir uns aos outros. Compartilhar com o amigo não apenas o verniz da superfície, mas o que existe debaixo. Expor suas mazelas, suas fraquezas, suas tristezas. E orar. Isso cura. Isso liberta. Alivia e refrigera a alma. 

A alma é feita para ser compartilhada. Sozinha ela fica aflita, pesada, encharcada com suas próprias dores. Mas quando é dividida... Ahh, ela flutua.

Parafraseando este trecho da carta de Tiago, diria assim: Vamos amigos, compartilhemos a vida uns com os outros. Oremos uns pelos outros. Isso cura. Essa ação e oração tem mais força do que podemos imaginar.

Valeu Tiago.





evandro l! melo
@evandrolmelo

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Domenico de Masi no Roda Viva

Muitos conhecem Domenico de Masi por seu livro mais famoso "O Ócio Criativo", ou pelo menos já ouviu falar. Porém poucos conhecem ou conhecem muito superficialmente todo o pensamento por trás disto.

Domenico de Masi é um sociólogo e escritor italiano que se dedica há 4 décadas a estudar as transformações do mundo principalmente no que tange o trabalho, a economia e a utilização do tempo.

Nesta ótima entrevista ao programa Roda Viva, é possível se aproximar um pouco mais das idéias desse homem criativo que não tem tempo para ser pessimista.



Entrevista inteira:
Bloco 1: http://www.youtube.com/watch?v=mfc67MO9NpI
Bloco 2: http://www.youtube.com/watch?v=MuYBxqJrjhA
Bloco 3: http://www.youtube.com/watch?v=JfAghDMUe74
Bloco 4: http://www.youtube.com/watch?v=R0g-gU7oUyw


evandro l! melo
@evandrolmelo

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

laranjeira




É de Deus
que eu seja barro
argila do chão
nas mãos do artesão

É de Deus
que eu seja pó
poeira no vento
na brevidade do tempo

É de Deus
não me ver sozinho
fez pra mim um ninho
com folhas de laranjeira

e é de mim
Te ver assim
graciosa graça.

evandro l! melo
@evandrolmelo

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

envelheço











faz-me companhia o tempo
que outrora passara
em rio, em vento, em pó

faz-me companhia o vento
toma-me pela mão
e minha idade avança

perco a criança
marca-me em linhas gastas
fatiga minhas retinas

de mãos dadas leva-me
o tempo de outros ventos
rumo a luz da escuridão

evandro l! melo
@evandrolmelo

domingo, 13 de janeiro de 2013

o sapo, o cavalo e a capela



É noite, o frio acompanha o vento suave farfalhando as folhas das árvores negras e cumpridas, em movimentos que se repetem.
Lá estou eu, incomodado. Estranho ao lugar mas parecendo já ter estado lá.
A chuva não tarda, logo chega de mansinho, em forma de garôa, e ganha força ao vento, vindo direto em minha direção.
Ando um pouco mais, sem saber o caminho certo, mas sem temer. Apenas um incômodo me acompanha.
Ouço o som de água caindo, se chocando em pedras duras. Logo avisto a cachoeira, uma bela cachoeira de águas espumantes.
O incômodo num ímpeto aumenta e a bexiga dá seu aviso. Preciso me aliviar.
- Não tem ninguém por perto, será aqui mesmo. - penso comigo. E continuo:
- Ei, não pode ser.Estranho. Nunca vim a este lugar e ele não me é estranho. Isso…Isso é um… Será?!Como saber?
Pergunto a um sapo, que sem me dar conta acaba de surgir.
- Ei como saber se isto é um sonho?
- Oras é fácil. - Mal termino de falar e o danado me atira uma pedra. Me acerta a perna. Dói.

Antes que eu chegue à conclusão, a dor me tira daquela floresta.
Me percebo então em um deserto, faz calor e está cercado de areia por todos os lados.
O ar seco me tira o fôlego, me seca a garganta.
- Preciso de água. - É só dizer que o incômodo dá sinal de vida.
Continuo andando e explorando confiante um lugar desconhecido mas ao mesmo tempo natural a mim.
Não demora e a garganta seca novamente. Penso em água. Sinto o incômodo. Droga!
Sigo andando e finalmente encontro algo além do nada. Uma velha casa de madeira, um cavalo amarrado ao chão e uma banheira cheia d'água onde o pangaré se refresca. A bexiga reclama.
- De novo não.
Olho para os lados. Ninguém por perto.
- Ah, vai ser aqui mesmo.
Me preparo e...
- Ei, tem certeza que isso não é um sonho? - Me pergunta o cavalo malhado.
- Como saber? Como saber? - pergunto balançando a perna, impacientemente.
Já devia esperar. Recebo um coice, na outra perna.
- Ai, que dor!

A dor dessa vez me leva de volta pra casa. Me percebo na minha cama. Sim é um sonho. Bons amigos o Sapo e o Cavalo. Me acertaram doído, mas obrigado. Talvez uma coceguinha bastasse, mas obrigado.
Sem perder mais tempo, me levanto e corro ao banheiro. Está diferente, devia ser o sono e a tremenda necessidade de fazer xixi, que aumenta cada vez mais. Não resta mais tempo, mas… Melhor não confiar, aplico um beliscão no braço esquerdo. Forte e giratório.
- Aaaai.
Dói pacas e mesmo com a dor, eu continuo no mesmo cômodo.
- Doeu e continuo aqui. Não é um sonho. - concluo.

Sem pestanejar nem mais um tanto, deixo a bexiga feliz. Olho pra cima curtindo aquele momento bom de deixar a bexiga feliz.
- Mas que estranho, meu banheiro nunca teve o teto da capela Sistina.
- Ah não! Ah não!

Acordo no meu quarto, com três hematomas e todo molhado.

evandro l! melo
@evandrolmelo

ilustração: Uiara Frabetti d'Melo

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

do que não sou












dos poemas que não existem
gosto mais daqueles que não fiz
[com esmero]
deixei-os escapar
livres pensamentos
[vão]
errantes ao esquecimento
como insetos que procuram luz
morrem em claridade

como mãe orgulhosa
me orgulho daquilo que não criei
daquilo que não sou
feito,
eu.

evandro l! melo
@evandrolmelo


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

reunião dos infernos



Estava mais agitado do que o de costume, ansioso, parecia trazer sua grande descoberta.
Não estivera contente com os números - que cresciam, era verdade - de almas conquistadas. Algo lhe dizia que podia ter mais e melhor.

Durante séculos cultivou a estratégia da truculência. Dono de pouca paciência, queria conquistar duma vez. 
"Quanto você quer pela sua alma? Anda, dá seu preço." Ou ainda arrancar-lhes os sonhos à força. Coisa que assustava os viventes.

Foi ali, naquele dia, durante seu banho de lava e enxofre, onde as idéias sempre vinham, que percebeu.
- Cacete! (é o 'eureca!' do diabo).

Chamou uma reunião de emergência com o conselho do Caos que era formado por todo tipo de demônio. Grandes e pequenos. Alados e rastejantes, feios e horrorosos. Todos tomaram seus lugares no Caos, cochichando entre eles sobre a agitação do chefe.

- Meus amigos e companheiros dos infernos! Que a discórdia esteja com vocês. - Iniciou ele de pé na ponta da grande mesa, e prosseguiu -
Pensando em uma maneira mais eficaz de conquistar almas, destruir sonhos e matar a fé, quero lhes dar novas diretrizes e apresentar minha nova estratégia.

Todos lhe observavam na mais intranquila desordem. 
- O que será que vem por aí? - deixou escapar o que tinha a cara de bicho preguiça.

-  Por séculos - continuou - fomos agressivos em nossa abordagem. Ganância fez um bom trabalho comprando almas, mas a preços bastante altos. 
Abordando os seres viventes com "quer vender sua alma?" acaba que assusta a maioria e quem não se assusta acaba cobrando caro demais. Além do que já temos roqueiros demais por aqui.

- Faremos o seguinte. Daremos a eles funções, quaisquer que sejam, e daremos pequenos pagamentos todo mês. Também faremos com que disputem entre si oferecendo prêmios a quem se destacar. Chamaremos isso de Meritocracia. Vaidade e Ambição, é com vocês.

- Mas o que ganhamos com isso chefe? - Quis saber Ambição.

- O business case se mostrou muito mais eficaz com este modelo de negócio. Ao invés de comprar as almas, alugaremos mensalmente. Sai mais barato e assim eles se entregam pra valer, sem melindres. Vão inventar desculpas a si mesmos e trabalharão mais e mais, vendendo fácil o que antes não tinha preço. Mamon vai adorar.

Continuou sua retórica:

- Também percebi que ao querer roubar-lhes a fé e reduzir os sonhos a pó de uma vez, fazia com que estas pestes acabassem buscando mais fé e sonhando mais, mesmo que mediocremente.
Portanto, não lhes tire tudo de uma vez, são sensíveis. Vão notar e chorar, sentir falta, abrir o berreiro. Ao invés disso Medo, vá tirando seus sonhos aos poucos; Dúvida, vá minando a fé deles de gota em gota, sem pressa, e logo teremos adquirido mais uma alma. 

- Os tempos são outros, temos que nos reinventar se quisermos conquistar essas almas. - Arremeteu orgulhoso.

Um mão se levanta timidamente lá atrás.
- Pois não? - perguntou Lúcifer, o chefe.
- Mas e aquele papo, aquela… aquela tal de Graça? Não pode acabar com esse negócio de méritos? 

Ele observava carrancudo o demoniozinho que perguntava.

- E também não pode, a tal da Graça se juntar à Esperança e insistir em encher os viventes com fé e sonhos? - finalizou o demoniosinho.

A empolgação havia deixado seu semblante. Levando a cabeça à mesa num movimento desanimado, dá um bufada:

- Demônios sinceros, quem precisa deles?

***

evandro l! melo