domingo, 29 de março de 2009

Tanto pra nada

Um fenômeno crescente nos dias atuais são as aparições de Igrejas Evangélicas.
Aparecem com diversos nomes, formas, estilos, marketing, público alvo etc.

Mas ao mesmo tempo que o "evangelho" se propaga de forma intensa, é crescente também a desiguldade social. Crianças vendendo balas nos faróis, adolescentes de 12 anos se prostituindo, penitenciárias cada dia mais lotadas, AIDS, fome, guerras e por aí vai.

Me pergunto então, para que servem as igrejas? Para que serve o evangelho pregado em rádios e em dezenas de programas de televisão?

Para que serve ser Cristão, senão para transformar o mundo?

O que os que se dizem Cristão tem feito para mudar este triste cenário? - NADA.

No Brasil, segundo estatísticas, somos cerca de 35 milhões de evangélicos.
Será que com essa quantidade de gente que se diz seguidora dos ensinamentos de Jesus, não somos capazes de transformar o mundo?

Como conseguimos ser tão indiferentes em relação aos problemas sociais?

Preferimos lotar igrejas em busca de bençãos pessoais como emprego, saúde, dinheiro e fechar os olhos para o que está acontecendo no mundo.

Vergonha!

Enquanto isso, as pedras continuam clamando.

terça-feira, 24 de março de 2009

O deus que não é Deus

Existe um deus que não é Deus. O único com força para enfrentar a Deus. Essse deus não vive em alguma dimensão cósmica ou ponto do universo. Seu oratório é a mente humana. Ele é um deus familiar, pois vive nos espelhos da alma. Mesquinho, cobra desempenhos impossíveis. Inclemente, castiga as inadequações dos fracos com fúria. Ofendido por uma pessoa, dizima gerações inteiras. Imprevisível, age com um humor indetectável.

Existe um deus que não é Deus. Capaz de ofuscar o próprio Deus, misturou-se em todas as religiões. Sanguinário, exige sacrifício para estender a sua compaixão. Impassivo, privilegia os eleitos e condena o resto. Indiferente, descarta a prece da criança quando não se encaixa em seus propósitos. Distante, volta as costas para os miseráveis em nome da coerência.

Existe um deus que não é Deus. É possível encontrá-lo nos paços sacerdotais, nas leis canônicas, nas teologias que o sistematizaram. Ele vingou na religião e a cúrias já mapearam as suas ações. Sem bondade, ele defende a virtude. Sem graça, faz apologia da verdade. Os cristão sabem que ele existe; já provaram o fel de sua justiça na Inquisição. O homem-bomba de hoje testemunha o seu furor para os muçulmanos. Ele aparece em cada campanha de oração pentecostal para mostrar como é difícil ganhar o seu favor.

Existe um deus que não é Deus. Ele é uma divindade que não suporta ver Jesus almoçando com pecadores, bebendo vinho perto de mulheres suspeitas, elogiando pagãos ou prometendo o Paraíso para gatunos. Esse deus precisa desaparecer, pois é um ídolo malvado. E só com a sua morte nascerá o Salvador.

Ricardo Gondim
Soli Deo Gloria.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Finitude, pecado, fuga

Não sabemos lidar com a nossa condição humana, limitada, inadequada, e sempre ambígua. Procuramos nos entender e nos perdemos. Por que nos inquietamos com o vício e nos encantamos com a virtude? De onde arrancamos a idéia do certo e do errado?

Em Serra Leoa, milícias rivais se enfrentam há décadas decepando mãos, braços e pernas de mulheres, crianças e idosos. Por quê? A panela de pressão étnica explodiu entre Tutsis e Hutus em Ruanda na década de 1990; em 45 dias, cerca de oitocentas mil pessoas foram chacinadas. Em 2008, a barbárie de Rauanda se transferiu para o vizinho Congo com as mesmas mortes absurdas. Impotentes, não reagimos. A invasão do Iraque pelo governo Bush custou no mínimo 3 trilhões de dólares. Calcula-se que tenha matado mais de um milhão e duzentos mil civis – numa população de 29 milhões – entre março de 2003 a agosto de 2007. Ninguém será responsabilizado?

Diante desses horrores, ouve-se um simplismo: “O ser humano é inviável”. Despautério. A história tem tanta, mas tanta, carnificina que se fôssemos mesmo inviáveis, já teríamos desaparecido como os dinossáuros. Nos reiventamos nas tragédias, ressurgimos das cinzas. A força do bem, embora frágil, ainda é maior que o poder do mal. Por isso, continuamos por aqui.

A humanidade oscila entre extremos e o pêndulo nunca desacelera. Hora desce à perversidade mais profunda, hora atinge o topo da escala da virtude. As violências topam com as contrapartidas humanitárias; os cinismos, com os engajamentos comunitários; as corrupções políticas, com as mobilizações populares. Negros ainda sofrem preconceitos, mas numa escala geometricamente inferior que duzentos anos atrás. Depois de muita luta, mulheres conquistaram o direito de votar e governar.

Porém, agudizar as inadequações humanas é um jeito bom de fugir do dever de construir a história. Ao considerar a humanidade irremediavelmente perversa , o mal se torna inevitável. Se corpo, terra e mundo são intrinsecamente ruins e nossa existência, uma masmorra fétida que aprisiona o espírito, fica fácil explicar a maldade. Basta afirmar que os seres humanos nascem desfigurados e contaminados com uma lepra existencial chamada de pecado. Herdeiros de monstruosidades, somos merecedores de castigo eterno desde que nascemos.

Esse mecanismo de fuga é poderoso, usado pela filosofia e teologia muitas vezes (Agostinho, Anselmo, Pascal). Mas, quanto mais íngrime se considerar a ladeira da decadência humana, menor a responsabilidade.

Com a inexorabilidade do mal, justifica-se qualquer ação. “Nascemos assim, somos assim; cachorro não late para ser cachorro; late porque é cachorro; as pessoas não são pecadoras porque pecam, pecam porque são pecadoras”. Com esses pressupostos, o ódio se torna inevitável e o bem, complicadíssimo. É confortável afirmar que o código genético do espírito padece de uma síndrome que perpetua o pecado.

Noite passada tive um sonho em que eu me rodeava de pessoas parecidas comigo na beira de um precipício. Todos falávamos juntos, repetindo desculpas e nos desmerecendo. Eu projetava na minha índole, raivas e viganças. Na ânsia de justificar petulâncias, transformava ancestrais em bodes expiatórios. Chegava a responsabilizar um bisavô pelo vício deselegante de palitar os dentes na mesa.

Para não me encarar, tentava desmerecer Adão e Eva. Procurava, transformá-los em precursores da Gestapo, ideólogos do garrote inquisitorial e pistoleiros profissionais. Dizia que a Árvore Proibida me aleijara. Como não conseguira lidar com a minha própria maldade, projetava em Deus “A Grande Culpa”. Eu falava com zanga: “Afinal de contas, não pedi para nascer deformado; não tenho como reverter a natureza que herdei; não posso fazer o bem”.

Murmurava: “melhor cruzar os braços e deixar rolar para ver como é que fica”. Neste momento, alguém me acenou do outro lado do abismo. De mangas arregaçadas e inconformado, gritava: “A maldade não é sina”. Por três vezes, repetiu: “É possível frear o avanço da morte; vale a pena lutar”. Ele tinha cicatrizes nas duas mãos. De repente, cobrou a minha atenção para uma lenda talmúdica: “Em cada cada geração, vivem 36 pessoas justas que são o alicerce do mundo. Eles são os “santos ocultos”. Ninguém os conhece ou poderá elogiá-los, mas é graças às suas ações anônimas que a terra se torna um lugar mais habitável e decente. Pare de justificar-se, una-se a eles”.

Acordei dizendo que vou tentar.

Ricardo Gondim
Soli Deo Gloria