sábado, 29 de dezembro de 2012

nuvens


há poemas que são como nuvens. agrupam-se em palavras no pensamento.
ameaçam chover poesia mas daí bate um vento de distração e a desfaz toda.
não chove idéias nem ficam registros, mas por um instante existiu e se exibiu.


evandro l! melo
@evandrolmelo

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

eco...eco...eco

-Palavras, lavras, avras...
Repetiu o Eco.
- Eco, eco, eco...
(bom vou falar baixinho para o Eco não mais incomodar).

domingo, 23 de dezembro de 2012

é Natal




olha lá quem vem de longe
entoando uma canção
é o anjo Gabriel 
de harpa na mão
"paz na terra, paz a todos
pois nasceu a salvação"

andando em terras distantes
viram a estrela no céu brilhar
reis, magos e pastores
sentiram o coração se alegrar
vem nascendo o pequenino
nosso Deus se fez menino!

em cama não lhes deram vaga
mas o burro a ovelha e a vaca
trataram de lhe arrumar palha
"deite aqui jovem Maria
e descanse nobre José,
vai nascer a luz do dia, 
Jesus de Nazaré"

o choro desta criança
encheu a todos de esperança
envolto a panos singelos
nascera o nosso salvador
deitado numa manjedoura
Jesus, o nosso Senhor.

evandro l! melo

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

petróleo e outros furos



O filme Sangue Negro, de 2007, mostra a livre corrida de americanos em busca de um sonho. Encontrar um poço de petróleo e ficar rico. Pra sempre.
Vale lembrar que diferente do Brasil, nos EUA o poço de petróleo é de quem o encontra.

Em busca de petróleo pessoas ficavam loucas, davam o sangue, dedicavam toda uma vida perfurando o solo, em busca do ouro negro.

O solo era rico em petróleo, isso era fato, como também era o fato de não ser fácil furar o local certo, extrair da forma correta, e fazer dinheiro antes de estar totalmente falido com a empreitada.

Era preciso audácia, persistência, um tanto de loucura e um pouco de sorte para encontrar o lugar certo e meter broca. Quem conseguia, garantia uma vida boa para 3 gerações.

Os anos passaram e uma turma achou de explorar outros solos, rico em silício. O petróleo continua valioso, mas não brilha mais sozinho. Novos recursos, novos solos e o mais importante, novos exploradores surgiram.

Do silício criaram chips, processadores, computadores e micro-computadores (aham, aquelas coisas eram micro). 
A IBM por um tempo reinou absoluta com seus super Mainframes, até chegar a turma da Califórnia.
A turma explorou, suou, perfurou e achou seu petróleo. 
Steve Jobs, Bill Gates e companhia furaram o buraco do conhecimento e dele explodiu idéias, invenções que revolucionariam o mundo.

O solo ficou mais fértil, o solo a ser perfurado agora é a mente e a vontade de criar. Com a diferença de que um poço de petróleo bem achado dura uma eternidade, enquanto os novos poços nem sempre.
É preciso continuar furando, explorando e reinventando.

Bill Gates furou o seu, de lá saiu uma janela e parece que ele gostou. Pouca coisa nova saiu dali. Tratou de explorar bem esse buraco na parede.

Steve Jobs já não se contentava em revolucionar o mundo, queria isso várias vezes. Primeiro vieram os computadores, depois os softwares, a Pixar, iPod, iPhone, iPad, ietc...

Outros solos por além da Califórnia também foram perfurados.

Vimos em pouco mais de 3 décadas o fim do disco de vinil, o nascimento e morte dos CDs, a pirataria desenfreada dos mp3 e a comercialização mais eficiente de música eletrônica.

Também acompanhamos depois do Atari, a Nintendo mandar sozinha no mercado de video-games por um longo tempo (de uma década), até surgir a SONY explodindo petróleo com o PlayStation e passar a dominar tudo. A chegada do Wii trouxe de volta à Nintendo o poço da revolução, por pouco mais de um ano, quando o xBox toma essa liderança com o kinect.

Toda essa dinâmica confusão de lideranças, descobertas e revoluções se deram em uma, duas décadas.

E o solo da mente humana é fértil e parece não ter limites. Quando não esperamos muito mais coisas, surgem as redes sociais. Conhecemos e passamos a ser dependentes dessas coisinhas que nem sabemos bem pra que servem.

O cinema passou a ser feito e visto de forma diferente. A música é feita, ouvida, consumida e vista (vide morte da MTV) de forma diferente.

As coisas mudam e mudam rapidamente.

No filme Sangue Negro, o personagem de Daniel Day-Lewis enlouquece procurando o pedaço de chão certo a perfurar.

Nossa geração parte em busca de novas descobertas e quando acha que alcançou o limite, vem alguém e inventa algo que te deixa se remoendo "porque não pensei nisso antes?!".

Qual o próximo furo?

***

evandro l! melo

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

um sonho bom





um sonho bom


carneirinho de pelos tão brancos  
porque andas sozinho pelos cantos? 
não encontra companhia  
alguém pra levar alegria?

não procure nos crescidos
esses tão metidos
se esquecem de sonhar 

não vê que sou criança
e em mim há esperança?
venha me acompanhar no travesseiro
macio como nuvem são seus pelos

vamos brincar de imaginar
e juntos a noite toda sonhar
um sonho bom


evandro l! melo (poema)
uiara f! melo (ilustração)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Mar adentro

De vez em quando ganho presentes especiais. Há 2 semanas ganhei um pedido de presente.
Meu amigo Diego Venâncio me mandou uma música para fazermos parceria. Tremi nas bases, claro. Me inspirei, me dediquei e fiz uma letra, que ele gostou, fez uma ou outra mudança para caber na métrica e o resultado ficou bem legal.

Segue a letra e a música (separadas) para vocês conhecerem e assim que tivermos a música cantada, coloco aqui também.

Se chama 'Mar adentro'.

evandro l! melo
@evandrolmelo


Mar Adentro

Estar bem longe do vento
Sem ter no rosto a brisa batendo
como vou viver?

Foi o medo que me congelou
E no chão os meus pés ele fincou
Me impediu de voar 

Estar de frente pro mar
sem poder, sentir o seu sal
vendo as águas, da vida que vai

são as ondas que vem
aos meus pés
me provocam e chamam a um passo dar
me jogar, viajar 

se não posso sonhar
de que vale dormir?
quero ir mais além, navegar
mar adentro minha vida lançar
 Mergulhar

Vou plainar pelo céu
Desenhar no azul
Vou ouvindo essas ondas do mar
São canções que me fazem aquietar
E viver

terça-feira, 6 de novembro de 2012

publicaram "jornal, balas e memórias"

Depois de escrever a crônica "jornal, balas e memórias" (aqui), enviei o texto para o jornal Diário do Grande ABC e no mesmo dia o redator-chefe respondeu encaminhando ao redator da seção de opiniões dos leitores dizendo, "Chiquinho, que história supimpa, se o leitor permitir, publica isso".
Claro que eu permiti e a publicação saiu no Domingo, dia 28/10/12.

evandro l! melo


terça-feira, 30 de outubro de 2012

a primeira vez


A primeira vez é sempre complicada. Aquele divisor de era, antes e depois de ter passado por aquilo, antes e depois de ter feito aquilo, antes e depois de ter tomado aquela decisão.
E a decisão quase nem é nossa. Somos empurrados pelos costumes e cultura da nossa sociedade a tomar a decisão, querendo ou não. Mas sempre queremos, eu pelo menos quis. Sonhava com aquilo.
Difícil é saber quando e como fazer. Saber que já se é maduro suficiente para tal definidora decisão.
Olhando agora, depois de tanto tempo, fica fácil perceber, mas no auge dos meus 13 anos, vivendo aquela apreensão toda, não era.
Por sorte (ou azar, não sei) a decisão fugiu das minhas mãos. Porém, a mim coube a parte mais tensa. Como fazer?
Ajo de maneira rápida, ou lentamente? Pego e vou fazendo os movimentos ou vou na valsa, devagar, delineando cada ação?
Difícil.
E se for desastroso? Tá certo que poderia e seria refeito muitas outras vezes e que o aperfeiçoamento surgiria daí, mas a primeira vez é a que você leva para toda a vida, não é?
Para diminuir minha tensão, ensaiava muitas vezes sozinho, tomando o cuidado para ninguém ver. Algumas vezes fazia rápido, em outras devagar e buscava tirar o melhor proveito de cada uma.
Todavia, por mais que os ensaios ajudassem, era lá, na hora, de frente pra ela que a coisa toda iria se definir de forma definitiva.
Me lembro bem desse dia, era maio de 1993, em São Bernardo do Campo. Não fazia muito calor, mas eu suava. Estava nervoso.
Agora não tinha como recuar, a decisão estava tomada e era tudo ou nada. Ou melhor, era tudo, nada deixou de ser opção.
Enxuguei o suor das mãos na calça jeans, respirei fundo tentando não demonstrar nervosismo na frente dela, peguei o instrumento e fui. Nem rápido demais nem demasiado lento, fui tentando controlar a situação e fazendo meu melhor, e pronto.
Lá estava eu, sorridente frente à escrituraria com minha primeira assinatura oficial, no RG.
Um pouco tremida mas bacana. 
Hoje, aos 31, a aperfeiçoei e até criei uma rubrica, mas ainda guardo na lembrança e na gaveta o RG com minha primeira vez. 

evandro l! melo


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

jornal, balas e memórias


Há  dois dias comecei a receber em casa o jornal Estadão. Assim do nada. Não fiz assinatura, tampouco fui comunicado que é uma ação de marketing. 
Não sei portanto se trata-se de uma degustação ou se o entregador está me deixando feliz ao mesmo tempo que deixa algum vizinho fulo da vida.

Fato é que eu que nunca fui leitor de jornal, estou pegando gosto pela coisa. Começo o dia diferente. Levo para o trabalho me sentindo como um grande executivo, todo importante, pronto para apertar um botão no telefone e solicitar um café para a secretária enquanto tomo importantes decisões que definirão os rumos da minha empresa.
Na prática, do jeito que o jornal chega, levo embora, mal leio as manchetes principais.

Em casa sim posso desfrutar de tanto conhecimento carregado no malcheiroso papel. Cheiro aliás que foi muitas vezes usado por mim como desculpa para me livrar dos chatos vendedores de assinaturas por telefone.
- Eu tenho rinite moça, o jornal me ataca a alergia.
Não era de todo uma mentira, talvez um exagero. Mas a tática era necessária.

Esse simples acontecimento, receber jornal em casa, me despertou lembranças da minha infância, onde me lembro por exemplo de ter tido aula de leitura de jornal na escola.
Era a 4a série do primeiro grau, o professor passara o dever de casa para que todos levassem um jornal para a próxima aula. Passei na minha avó Lola e peguei o Diário do Grande ABC do dia anterior para levar para a escola. 
Na aula aprendemos como os jornais dividem os assuntos em cadernos, o que são manchetes, como localizar matérias e como manejar o jornal. Essa última era para mim a mais interessante das lições.
O tamanho da folha, A0, faz do ato de ler jornal um exercício de destreza.
A lição era, abrir o jornal, escolher a notícia a ser lida, dobrar a folha ao meio, da direita para a esquerda e depois novamente ao meio, de cima pra baixo, deixando a matéria escolhida à mostra. Uma chacoalhada no papel era sempre útil para ajeitá-lo.

Coisa que minha avó, dona Lola, mãe da minha mãe e de mais 9, fazia sem ter tido aula nenhuma.
Me lembro de sempre passar na casa da Vó Lola, que era diferente de qualquer outro lugar (antigamente casas de avó eram especialmente diferentes) e encontrá-la sentada no chão com o jornal devidamente aberto à sua frente.
A casa da Vó era sempre assim, um pouco mais fria que a minha, um pouco menos iluminada e um cheirinho único de casa de vó. Na sala os móveis antigos desafiavam os novos designs e se mantinham clássicos. Destaque para a arca. Uma grande estante de madeira escura em estilo colonial onde em uma das portas ficavam as balas de hortelã.

Até o jeito dela sentar-se no chão era especial. Acostumada a sempre usar saias, sentava-se sobre os joelhos, deixando o corpo cair levemente de lado e repousar. Óculos de armação grossa na cor marrom, o cabelo penteado formando um coque e o dedo a ser lambido para trocar as páginas. Essa era a figura da Vó Lola.

Ela dobrava minuciosamente a grande folha até que ficasse pequena e manuseável.
Depois de ler toda a página, reforçava o vinco da dobra de maneira que as pontas ficavam todas alinhadas e então colocava na pilha das páginas já lidas.
Não me lembro quais eram seus assuntos preferidos, mas me recordo bem que a leitura era diária e respeitava aquele ritual.

Depois de ganhar balas de hortelã, eu voltava feliz para casa, levando comigo balas, carinho e memórias.

***
evandro l! melo
@evandrolmelo
foto de L. Fernando Lopes (um dos 10 filhos da Vó Lola)


P.S.: Depois de três dias parei de receber o jornal em casa. Acho que algum vizinho reclamou que estava há dias sem receber seu jornal e as coisas foram ajeitadas.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

o que é a vida





Imagino a vida como um grande tudo. 
Uma imensa quantidade de tudo sem forma definida, sem voz e sem calor, tendendo ser nada.
Um grande espírito ou uma alma. Alma, melhor alma. Talvez a junção de todas elas, que em si e por si só, não basta.
É preciso bastar para ser.
Por ser infinita, não habita em um mundo forjado em tempo e espaço, por nele não caber.
É preciso caber para ser.
Como uma enorme porção de água, procura frascos, ainda que pequenos e frágeis, para neles se conter e deixar de ser uma massa única de tudo e se fracionar em pequenas partes administráveis.
É preciso se conter para ser.
Os frascos ao que parecem são escolhidos a esmo. De diversas formas e decorações, uns bojudos e baixos, outros finos e compridos, tem ainda os finos e baixos, compridos e largos, marrom, amarelo, branco, vermelho...
Ao passo que neles passa a conter uma fração de si, a vida o transforma, o torna raro. Cada frasco passa a ser único, ainda que parecidos e condicionados de formas semelhantes.
São frascos frágeis que carregam uma fração dessa imensa vida.
Tamanho presente da vida se dar assim, faz com que ao mesmo tempo frascos festejem graça e outros temam responsabilidade. De fato é uma carga valiosa demais para simples frascos de vidro carregarem. Vez ou outra derrubam e desperdiçam vida pelo caminho. Outros de tanto esmero - ou preguiça - deixam o fluido de vida parado dentro de si e ela perde o gosto.
Inevitavelmente quebram-se. Cedo ou tarde - na maioria das vezes tarde - derramam ao chão sua porção de vida e se tornam frascos inúteis, são descartados.
Mas há vida suficiente, que logo escolhe novo frasco para se dividir e voltar a ser.
É preciso dividir para ser.

evandro l! melo

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

oração: que seja poesia, a vida











Pai,
desperta-me do meu sono de transe.
Da rotina das coisas,
de chamar coisa, a vida.

devolva-me a poesia
o saber que a vida é eterna
por ser finda

Que uma pedra não seja só
um elemento rochoso,
mas algo mais valioso
para este que ora

Que seja poesia, a vida
de sóis nascentes e luas prateadas
de sorrisos de crianças
em retinas de idade avançada

Que eu perceba em tudo
tua maravilhosa graça

Amém.

evandro l! melo
@evandrolmelo

sábado, 11 de agosto de 2012

Os famosos Ninguém


Existem fenômenos estranhamente rotineiros, cíclicos que podem até acontecer em outros lugares também, mas no Brasil já se tornou um padrão.

Fantasmas vivos, pessoas invisíveis à nação, tem a estranha mania de ganhar nomes e virar referência de tempos em tempos. Mais precisamente de quatro em quatro anos.

Pessoas que buscam, com recursos escassos, seus sonhos. São esportistas sem qualquer bom incentivo, a maioria sem qualquer incentivo, que precisam primeiramente tomar a decisão mais difícil de todas, se dedicar ao esporte que ama e tem talento ou ir em busca de sustento para si e a família.

Pessoas que se tiverem nome é José Ninguém, da Silva provavelmente.

Acontece que algumas vezes esses fantasmas, Josés Ninguém conseguem chegar lá, chegam às Olimpíadas, realizam um sonho pelo qual tanto lutaram, sozinhos.

E magicamente ganham nome, não só ganham nome próprio, de estrela, mas viram uma referência. São os representantes da nação! Verdade que só o são aqueles que chegam às finais, que lutam por medalha.
Sim porque chegar aos jogos olímpicos não basta para darem algum orgulho à nação, é preciso medalhas.

"Fulaninho de Tal é Brasil nas Olimpíadas" diz o entusiasmado narrador. Aquele mesmo que pouco antes teve de ser "briefado" sobre quem era aquele estranho vestindo verde e amarelo, qual sua história, de onde vinha.

Nesses tempos de boa memória, em que a nação 'lembra' os nomes desses fulaninhos, toda a mídia fica sensibilizada com tantas histórias dramáticas. O Carinha de ouro, cujo pai fabricava as argolas de madeira para que o filho treinasse. O Fulaninho de prata que treinava em condições precárias com o pai boxeador. E os Datenas espalhados por todos os canais, choram as histórias tristes na TV e convencem os espectadores. 

E os amarelões? Sim, alguns desses fantasmas, Josés Ninguém, tem a péssima mania de não darem orgulho à Nação que tanto apoia, de tempo em tempo. Tropeçam, caem, falham. "Ah, esse sujeito que eu mal sabia o nome, cujo qual eu desconheço o que faz no dia a dia, cujo qual eu ignoro as condições de treinamento, chega às olimpíadas e dá esse vexame, uhhhh, amarelão!".

E como todo o fenômeno cíclico, chega e logo vai embora, não dá um mês e logo todos os candidatos a heróis, representantes de toda uma Nação que não o apoia, voltarão para à sombra do país de um esporte só.

É preciso ser muito herói para sobreviver como fantasma Zé Ninguém no intervalo de silêncio, entre um grande evento e outro.

evandro l! melo

terça-feira, 26 de junho de 2012

I'm going back to the start





A animação acima é linda e bem intencionada, é um belíssimo casamento entre ideia e ideal e belíssima junção de animação com a voz de Willie Nelson.

É bem intencionado e verdadeiro. Até a primeira metade do filme não há dúvida quanto a verdade. Transformamos (eu, você, eles) o mundo em uma máquina de produzir. O que? Coisas, qualquer coisa. Criar, fazer, plantar, colher, deixaram de ser suficientes, é necessário produzir, muito.

O planeta não foi planejado (ou bem planejado) para a produção em massa, para 7 bilhões de pessoas consumirem muito. Cada coisinha que antes se criava agora precisa ser produzida, em massa.

Não acredito em volta no que diz respeito a salvar o planeta. Estamos condenados e a condenação é irrevogável. O que já fizemos (eu, você, eles) foi demais e não tem volta. Estamos ferrados, sim!

O filme continua bem intencionado na segunda metade. É possível para mim e para você (talvez não para eles), voltar ao começo, iniciar de um novo jeito. Produzir menos, criar mais. aproveitar mais, consumir menos.

Não que isso vá salvar o planeta, não vai, o planeta está condenado e é questão de tempo (que sequer podemos atrasar) para chegarmos ao caos total. O planeta não tem mais jeito.

Mas para mim e para você (para eles eu não tenho fé) é possível viver uma vida mais saudável e menos neurótica. E apelando para o clichê (como se já não o tivesse feito neste post inteiro), só depende de nós.

evandro l! melo

Provocações, com Pr. Humberto Machado

quinta-feira, 14 de junho de 2012

meu salto de paraquedas

se minha vida for como um álbum de fotografia onde guardo registros que me guardam, em boas lembranças, este dia seria um desses registros. pela experiência em si e por ter feito junto da esposa, amigo e de meu pai. cabe dizer que em meu álbum permanecem espaços em branco para mais registros. que venham.

 evandro l! melo
@evandrolmelo


 

terça-feira, 12 de junho de 2012

No paraíso, ainda que no inferno


Salvação é entendimento, compreensão e aceitação.

E se o paraíso e o inferno forem um lugar comum? E se todos habitarmos esse lugar comum? Todos, sem exceção.

Então como um lugar comum, habitado mutuamente por gente boa e má (se é que existe gente (só) boa, se é que existe gente (só) má), pode ser o paraíso e/ou inferno?

Pela compreensão.

Quem compreende que a vida é graça, presente imerecido de Deus a nós e entende que isto nos basta (!), viverá o paraíso até no inferno.

Por outro lado, aquele que não aceita a graça, vive por si só em busca de méritos, viverá o inferno, ainda que habite o paraíso.
evandro l! melo

domingo, 20 de maio de 2012

vida após a vida


O dia mais traumatizante da minha vida, foi o dia da minha morte. Digo da primeira e por enquanto única.
Estava vivo e conforto abundava. Hoje sei que era escuro. Sei o que é escuro, porque tenho o claro.  Quando não se tem antônimo, tudo lhe é sinônimo. 
A vida era boa naquele desconhecido escuro.

Cresci naquele universo, imenso, suficiente e feito à medida, quentinho, seguro e sem pagar impostos.
Passava parte do tempo em descobrimento, de mim mesmo e do ambiente em que vivia, a outra parte eu dormia. Durante o sono profundo o descobrimento permanecia, desta vez guiado não por mim (pelo menos não propositalmente) mas pelo que hoje sei ser o subconsciente. Sonhos disformes e abstratos me alertavam tantas coisas, o futuro até, talvez. 
Ouvia sons, como vozes ecoando em um vale longínquo, abafado. Uma delas, a que mais ouvia, meiga e acalentadora. Que graça! Nem sei explicar porque, mas que graça. Era ouví-la e meu coração parecia querer dançar. 
Eu sorria. Será que de onde vinha aquele som, aquela voz, eles sabiam que eu sorria?
Outro som, este mais grave feito um alegre trovão, vinha ocasionalmente. Passavam-se infinitos tempos até que chegasse, mas quando vinha, que alegria. Eu sorria e me esticava. Meu corpo em vontade própria produzia movimentos enigmáticos. E eu sorria.

Hoje, na minha segunda vida, o tempo parece mais farto, flerta com o infinito.
Na vida anterior pensava o mesmo, mas foi tudo tão rápido, que tristeza eu senti ao ver que o tempo que eu julgava ser eterno passara e lá se ia minha vida toda. Descobri depois que foram 9 meses. Na verdade 8, encurtaram minha primeira vida. 

Não que eu tenha pensado nisso, de fato não, mas se me perguntassem na época se eu acreditava em vida após a morte, diria que não, que eu jamais morreria, aliás, o que é morte?

Traumatizante.

Em um dia estou feliz e brincalhão com a mão que acabara de descobrir, no outro sinto como se o mundo em que vivia não me quisesse mais, e ele deixava isso bastante claro.
Pressão de cima, dos lados, opressão. Dor, incômodo, primeiros sinais de angústia. Sentimento que me acompanha desde então.

Já sentiu dor sem poder gritar? Eu não podia, por não saber, nem sabia que eu mesmo poderia produzir sons. Mas aquele momento adicionado de angústia pareciam querer me ensinar.
Algum tempo, ainda intangível e portanto infinito tempo para mim, se passara e um feixe de luz, quase uma flecha, atravessara a segura atmosfera em que passara a vida toda, me atingindo o corpo, os olhos. Sinto a dor do corpo precisando se ajustar depressa àquele novo universo. Os pulmões de dilatando pela primeira vez dão os primeiros sinais de que àquela nova vida não seria das mais fáceis.
Estou morrendo. - a sensação era essa, ainda que ignorasse a expressão 'morte'.

Algo me puxa para fora do meu mundo. Certamente era um ser superior, talvez um deus. Descubro então que tenho um grito adormecido dentro de mim e a todo pulmão o acordo. Berro até perder o ar que acabara de achar.
Droga de morte, não poderia ser menos dolorida?!
Esse deus, vestido de azul claro e de olhos atentos, tinha uma cara bem estranha, uma coisa branca ao invés de boca e nariz.
Será que eu fiz algo errado na minha vida e estou sendo castigado por esse deus azul claro?

Ele então me apresenta alguém, descansa meu corpo ao lado daquela voz. "Oi filho". Ouço aquilo e meu coração palpita. Parece que não sei mais sorrir. Era a mesma voz, o mesmo timbre, melodia, e agora nada abafada, era nítida como uma pérola.
Castigo aquilo não era.

Em seguida chega o trovão alegre, me diz "Oi menino". Meu corpo se estica de emoção, mas como não sabia sorrir nem falar, chorava. Mas era riso, vocês me entendem?
Descobri mais tarde que não se tratava de um deus azul claro, apenas um médico. Deus era outro. Morreu e nasceu menino. Morreu e renasceu, Deus.

Desde o dia da minha morte, vivo minha segunda vida e já me disseram que ela é finda.
Por saber que a vida é finda e o tempo distraído, passo parte do tempo observando, respirando e poetisando. A outra parte, lamento.
Há dias em que tenho a clareza de que morri e fui para o inferno. Dias de angústia (que insiste em ser companheira).
Mas são raros, logo passam, feito chuva de verão.

Também não acho viver o céu, não, talvez quem sabe na próxima vida. 
Assim seja, Deus.



texto e arte:
evandro l! melo

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Penso e nada mais



Sou um pássaro livre dentro de uma gaiola. Quando me ponho a pensar vivo pelos ares sentindo frio, calor e o vento…
ah, o vento, só quem é livre sabe o que é o vento.

Mas quando num repente trazido à realidade me percebo cercado por grades, limitado e nada posso fazer. Minhas forças são limadas, minha mente do alto volta ao chão, me vejo cercado por grades, limitado.

A porta da gaiola encostada sem cadeado, ferrolho algum. Basta um esforço um empurrão, mas medroso, nada faço. Fico à espera de algo do céu, algo que já me foi dado.
Covarde, deixo a voz calada.

Nada faço, a não ser pensar.
Covarde.

Evandro L! Melo
@evandrolmelo

segunda-feira, 16 de abril de 2012

corpo


aquele corpo jaz em flor
uma cor que voa, de dor em dor
hora jaz em luz,
clarão que inebria e seduz
hora em alma,
num fantasma corado, ofegando calma.

aquele corpo, ainda nú
jaz em musica, choro e canto
de pranto e de vida
porque assim que nasceu
naquele corpo jaz, vida.

aquele outro, jaz moribundo
terno e gravata,
roupa de enterrar difunto.







evandro l! melo

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Santa indignação


E lá no céu a discussão continua.
Os santos indignados seguem dizendo que trata-se de tamanha injustiça Maria, que foi casada, ser conhecida por virgem e eles com seus votos de castidade, não.

Santo Agostinho é o único que dá risada olhando a indignação do pessoal.

Evandro L! Melo
@evandrolmelo


Foto: Paulo Brabo

segunda-feira, 9 de abril de 2012

céu, terra e café (Salmo 121)

Olho para minha caneca de café e pergunto:
'De onde me virá socorro?'
Meu socorro vem de Deus,
criador do céu, da terra e do café.

Ainda que mistério, poeta que não mereço,
deixo minh'alma buscar a poesia
e danço Sua melodia.

Evandro L! Melo
@evandrolmelo

quinta-feira, 29 de março de 2012

Água

Água a planta menina
aguada.
Não   vê   que   está seca,
desmantelada!
A menina obedece,   
magoada .

Água a flor menina
amada.
A flor só abre se for menina,
aguada.
A menina se apressa ,
encantada.





Texto e foto: Evandro L! Melo
@evandrolmelo

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Oito regras para escrever ficção

Achei essa beleza de dica para aqueles (como eu) se aventuram a escrever e descobrir como se faz isso, no meio do processo. Abaixo vai a versão em inglês como eu a encontrei e também uma tradução livre minha. ( Evandro L! Melo @evandrolmelo )
Oito regras para escrever ficção:
1. Use o tempo de um total desconhecido de modo que ele não sinta que seu tempo foi desperdiçado.
2. Dê ao leitor ao menos um personagem para que ele se identifique.
3. Todo personagem precisa transmitir algo, mesmo que seja um simples copo d'água.
4. Toda frase precisa fazer uma de duas coisas - revelar o personagem ou avançar a trama.
5. Iniciar o mais próximo possível do final. (essa não entendi muito bem, mas tudo bem, as 7 dicas restantes são ótimas)
6. Seja sádico. Não importa o quão doce e inocente seus personagens possam ser, faça com que coisas horríveis aconteçam com eles - para que o leitor consiga ver do que eles são feitos.
7. Escreva para agradar apenas um tipo de leitor. Se você abrir a janela e fizer amor com todo mundo, sua história vai pegar uma pneumonia.
8. Dê aos seus leitores o máximo de informação o mais rápido possível. Dane-se o suspense. Os leitores devem ter a compreensão completa de onde a história está e para onde vai, como e porque, como se pudessem terminar a história por si mesmos caso as traças comessem as páginas seguintes.
***
Eight rules for writing fiction:
  1. Use the time of a total stranger in such a way that he or she will not feel the time was wasted.
  2. Give the reader at least one character he or she can root for.
  3. Every character should want something, even if it is only a glass of water.
  4. Every sentence must do one of two things — reveal character or advance the action.
  5. Start as close to the end as possible.
  6. Be a sadist. Now matter how sweet and innocent your leading characters, make awful things happen to them — in order that the reader may see what they are made of.
  7. Write to please just one person. If you open a window and make love to the world, so to speak, your story will get pneumonia.
  8. Give your readers as much information as possible as soon as possible. To heck with suspense. Readers should have such complete understanding of what is going on, where and why, that they could finish the story themselves, should cockroaches eat the last few pages.
- Vonnegut, Kurt Vonnegut, Bagombo Snuff Box: Uncollected Short Fiction (New York: G.P. Putnam’s Sons 1999), 9-10.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Eu sou a caixa dos idiotas

...
- Que merda é essa? - Shadow disse alto.
A imagem se dissolveu em um chuvisco brilhante. Quando voltou, o Dick Van Dyke show havia de transformado, inexplicavelmente, em I love Lucy. Ela estava tentando convencer Ricky a trocar a geladeira velha por uma nova. Mas, quando ele saiu, ela foi até o sofá e se sentou, cruzando as pernas, repousando as mãos no colo e olhando pacientemente através dos anos em branco e preto.
- Shadow. Precisamos conversar.
Ele não disse nada. Ela abriu a bolsa e tirou um cigarro, acendeu com um isqueiro prateado claro e o guardou em seguida.
- Estou falando com você. Vai responder?
- Isso é loucura - disse Shadow.
- E o resto da sua vida é bem normal? Dá um tempo, porra.
- Sei lá. Lucille Ball falando comigo pela TV é mais esquisito, em uma ordem de magnitude muito maior, do que qualquer coisa que já aconteceu comigo até agora.
- Não é Lucy Ball. É Lucy Ricardo. E quer saber o que mais? Eu nem sou ela. Este é só um jeito fácil de aparecer, tendo em vista o contexto. Só isso.
Ela se ajeitou de maneira desconfortável no sofá.
- Quem é você? - perguntou Shadow.
- Tudo bem. Boa pergunta. Eu sou a caixa dos idiotas. Sou a TV. Eu sou o olho que vê tudo e dou o mundo do raio catódico. eu sou o tubo dos tolos… o pequeno altar na frente do qual a família se reúne para fazer suas preces.
- Você é a televisão? Ou é alguém na televisão?
- A TV é o altar. Eu sou aquilo pelo que as pessoas se sacrificam.
- Como elas se sacrificam? - perguntou Shadow.
- Dão o tempo que têm - disse Lucy. - Às vezes, umas às outras.
Ela levantou os dois indicadores e soprou a fumaça de revólveres imaginários das pontas dos dedos. então piscou um olho, aquela piscadela famosa e adorável de I Love Lucy.
- Você é uma deusa?
Lucy deu um sorriso forçado e uma tragada de dama no cigarro.
- Posso dizer que sim.
... 
(Neil Gaiman - Deuses Americanos - Cap 7)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Como são



Como crescem as gramas no verão
recebem a chuva
apontam o céu
e vão

Como dormem os adultos  no domingo
comem de tudo
reclamam preguiça
e vão

Chove
apontam
vão

Comem
reclamam
vão

Evandro L! Melo
@evandrolmelo

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Temos medo do medo acabar




O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demónios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos. Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.

O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.

No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.

O preço dessa construção [narrativa] de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de que há memória. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.

A Guerra-Fria esfriou mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação… Precisamos de intervenção com legitimidade divina… O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.

Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.

Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.

Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas [incomodas] como, por exemplo, estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilião e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivo se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?

Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fracção muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.

Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida… A verdade é que… pesa uma condenação antecipada pelo simples facto de serem mulheres.

A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.

É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões do Norte. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.

Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente… Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global:

“Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.”

E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.

Mia Couto

***
peguei emprestado do UoD.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

pés no chão

"Eu tenho os pés no chão,
mas a cabeça,
prefiro que voe."

Evandro L! Melo
@evandrolmelo

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

livre


passarinho é livre
não porque sabe voar
mas porque comer, viver
faz sem se preocupar.


evandro l! melo
@evandrolmelo

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

fonte de água viva

depois de assistir ao belo documentário "planeta vivo: dilúvio no kalahari" no discovery channel, refleti e escrevi.

tempo de seca, toda a região vive um deserto. falta água para todos. para crescer a vegetação, para os animais que se alimentam dessas vegetações, para os carnívoros que se alimentam de outros animais. e claro, para os peixes.

o rio baixando mais a cada dia até se tornar poças de lama com pouca água. os bagres lutam pela vida no que resta dela. parecem acreditar que há esperança, haverá água fresca em breve. ou lutam por não haver outra opção. a morte não parece ser uma.

os elefantes, em manada, sabem que esperar não é uma estratégia inteligente e partem em busca desta fonte de água. não sabem a que distância está, tampouco quais os perigos que encontrarão no caminho. sabem apenas que precisam andar e seguem na direção.
são centenas de kilometros, caminhados em terreno seco e calor escaldante. exaustiva, a viagem deixa alguns para trás. naquele deserto, árvores secas viram alimento. a casca contém algum nutriente e pouca umidade, o que garante um pouco mais de energia.

a falta de alimento dispersa os grupos de animais. o desespero faz com que um leopardo tente atacar um porco espinho e se dê mal.

o horizonte tem uma só cor. pálida, sem graça.

a migração das espécies continua. todos parecem conhecer o desconhecido. caminham na direção da água que inexiste.

a primeira chuva cai, mas e é insuficiente para encher o rio. é absorvida pelo caminho, sem chegar na bacia que alimentará os animais.
a chuva que fará o milagre de manter tantas vidas naquele deserto, vem de bem longe dali, a cerca de 1600 km, na Angola.

mais um tempo de caminhadas ao desconhecido. mais luta por sobrevivência. mais sofrimento.

até que a chuva cai em quantidade suficiente, começando seu percurso de encher os canais que irão desaguar no rio fazendo-o transbordar, formando assim a bacia (por puro capricho tem a forma de uma mão) que os animais procuram. a fonte de água parece viva e traz vida.

os canais alcançam o rio, enchendo-o e fazendo-o transbordar. a vegetação começa a brotar, flores surgem trazendo beleza, abelhas coletam néctar para produzir mel. as rãs se escondem nas plantas para caçar insetos.

os elefantes, ainda distantes, se animam. sentem o cheiro de água fresca. por dias e mais dias sentiam apenas o aroma da sequidão, de morte. agora sentiam vida e mesmo exaustos se animam e apertam os passos.

os bagres enfim podem nadar livremente e se reproduzirem. as gazelas se divertem saltitando na água enquanto comem da fresca e apetitosa grama.

leões, gazelas, búfalos, aves de diversas espécies, peixes, répteis, insetos, vida. toda a vida se reune e se esbalda naquela fonte.

chegam os elefantes, partindo direto para o rio. parecem se divertir bastante. alívio e paz.

a água não serve apenas para matar a sede, também traz nutrientes necessários a todos os seres vivos.

tudo isso que eu vi em belíssimas imagens do discovery channel me fez entender um pouco mais a metáfora e poesia dos salmistas ao chamar Deus de fonte de água viva. entendi porque afirmar que minha alma tem sede de Ti, Deus.

"Como a corça anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo. Quando poderei entrar para apresentar-me a Deus?" Salmo 42:1-2

compreendi porque Jesus era essa fonte de água viva. porque não só satisfaz a sede como alimenta, nutre e produz mais vida.

que seja assim, minha alma possa almejar essa fonte de água viva mesmo em tempos de seca. que eu possa seguir a direção mesmo em tempos incertos. que minh'alma possa se regozijar e festejar quando a fonte alcançar.

"No último e mais importante dia da festa, Jesus levantou-se e disse em alta voz: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva". João 7:37-38.


evandro l! melo
@evandrolmelo

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012