quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Crônica da liberdade aprisionada


 
- Me solta!
- Humpf (desdém).
- Anda, seu merda, me solta.
- Pfff (desprezo).

Livre como um pássaro no poleiro. Elefante de circo. Oito toneladas presas num toco junto ao chão.

A porta entreaberta causa medo. O desconhecido é tímido e a coragem ausente.

"ah mas e se eu sair e...e...e… ah mas..."

O sarcasmo é pontual. Com ele posso contar, todos os dias ao despertar. Ah, ele me faz sentir livre. Com ele, graças a ele, aperto o nó da gravata, leio meu jornal em meio ao café amargo.
Abro a porta de casa e me sinto livre. O trânsito é que tenta espantá-lo um pouco, "é o preço do progresso ", ele saca da cartola.

Observo a vida lá fora. Já não sei se está frio ou calor. Dentro do carro está na temperatura de sempre.
Tremo, como um bom homem livre, ao ver alguém mal encarado na rua. As mãos, automáticas, correm travar as portas.

Troco 'bom dias', sorrisos, poucos apertos de mão, nenhum abraço.
Combino o almoço por caracteres com meus colegas. Tempo de descontração. Banho de sol, que todo homem livre merece.

Mal vejo o sol baixar. Lá se foi mais um dia.

Chego em casa, o cansaço a me dominar. Ligo a TV, por hábito, puro hábito. Lá vem o cachorro com a bolinha na boca. Não contenho um sorriso em minha boca. Brinco com ele.

Santo microondas que facilita minha vida. Como rapidamente. Mais um pouco de TV. Mais uma bolinha lançada. Como é bom vê-lo correr.

Vou dormir, ninguém é de ferro. Partes de mim parecem ser, mas não tudo.
O travesseiro funciona como um ímã que atrai a realidade. Uma foto desbotada dos meus dias se apresenta a mim.

Durmo como um bom e livre homem. Graças ao sarcasmo.

- Vamos lá, e se eu pedir por favor?
- ?
- Me solte.
- Liberdade. Não me amole.

Evandro L! Melo

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