terça-feira, 13 de abril de 2010

É brincadeira



A brincadeira começou assim, meio que de repente, sem um início estabelecido, sem regras, organização, times, fronteiras e limites. Começou do nada e assim se estendeu.

Um travesseiro fora atirado dando início a tudo. Logo as crianças correram, cada um em seu posto, descoberto e criado na hora. Cada um com sua munição, qualquer coisa fofinha e macia era uma 'arma mortal'. Tudo era válido, travesseiros, almofadas, bichos de pelúcia, bolas de meia... A alegria emanava por todos os cantos.

A excitação e adrenalina apareciam na forma de suor, que escorria pelos rostos vermelhos das crianças e fazia seus cabelos grudarem.

Pouca coisa era dita, quase nenhum diálogo se formava, eram apenas gritos, gemidos, sonoplastia (de guerra, explosão, quedas) e muita, mas muita risada.

O riso era incontido, saía sem que forçassem e era impossível de controlar.

A brincadeira durou a tarde toda, até que vencidas pelo cansaço as crianças pararam. Sentaram para descansar e riam muito enquanto respiravam ofegantes.

Combinaram de continuar a brincadeira no dia seguinte, tentariam melhorar e aprimorar mais a brincadeira.

Naquela noite cada uma foi dormir lembrando como fora a brincadeira, tentando eternizar os melhores momentos, e pensavam em como poderiam torná-la ainda melhor.

No dia seguinte se encontraram no mesmo local. Reuniram todos a fim de esquematizar como seria a brincadeira dessa vez. Tinha que ser ainda melhor.

Se separaram em times. Cada um tinha uma missão dentro do time. O objetivo era ser o vencedor, era, obviamente, vencer os adversários e ser reconhecidos como os melhores.

Dentro dos times criaram hierarquia, pois, é claro, todo time tem que ter ordem e para isso é necessário um líder.

Houve ali a primeira discussão, pois mais de um queria ser o líder e não abriam mão disso. O tempo passou até que decidiram tirar na sorte. "Jockey Pow" – "Pedra vence tesoura, ganhei". Pronto, liderança definida, vamos para os próximos planos, tinham muito que resolver para tornar a brincadeira inesquecível.

Ao contrário do dia anterior, quando as munições eram encontradas pelo caminho, desta vez preferiram dividir tudo em iguais quantidades.

Cada munição tinha seu valor. Travesseiros valiam mais, pois eram grandes e tinham poucos. Pelúcia tinha seu valor, assim como tudo ali e por último vinham as bolas de meia, em grande quantidade e certeiras para atirar.

O quartel general de cada time foi outro ponto duro de decidir. Todos queriam o quarto do meio, dava acesso aos quartos das extremidades e ainda era perto da escada de acesso à sala, no andar debaixo.

Certamente o time que ficasse com o quarto do meio levaria vantagem sobre os demais, não que isso tivera importância no dia anterior, mas agora tinha e era necessário resolver isso.

Não era fácil tomar essa decisão; alguns logo abriram mão buscando agilizar os planos e partir para a ação, mas não era consenso do grupo e voltaram à discussão.

Mais uma vez teria que ser decidido na sorte.

“Jockey Pow” não, pois era muito amador para decidir algo dessa grandeza. Anotaram então em pedaços de papel os nomes dos times e em outros pedaços maiores de papel anotaram os quartos.

Separaram em dois potes distintos e fizeram o sorteio.

Primeiro sortearam o time e em seguida o quarto em que ficaria.

Alegrias e decepções, não dava para esconder o sorriso (e até um risinho sarcástico) do time que ficara com o melhor quarto.

Tudo pronto, ou melhor, quase tudo. Ainda não tinham escolhido os nomes dos times.

Uma brincadeira tão especial como essa não poderia ter times sem nome, não é mesmo?!

Mais tempo de perdeu, mais discussão, menos consenso e novamente sorteio de pedaços de papel.

Pronto, nomes definidos, agora vamos começar a brincadeira.

Cada time foi para sua base, não contendo as provocações.

O dia já estava quase no fim, quando iniciaram a brincadeira. Os risos incontidos, os gritos espontâneos, já não eram os mesmos do dia anterior.

Deram lugar a gritos de guerra, provocações e xingos.

Era estranho, não era a mesma coisa. A brincadeira era outra e todos ficaram com a sensação incômoda, uma certa melancolia e uma nostalgia, querendo encontrar algo já perdido.
____

Evandro L! Melo
Ilustrado por Uiara F. Melo

3 comentários:

Roni Piuchi disse...

Cara, acredita que esses dias eu lembrava de alguns momentos da minha infância onde o mais importante era a diversão? Pois é... eu era feliz e sabia!!
Excelente texto!

Drica disse...

Espontaneidade é o que torna a vida especial, mas é incrível como sempre conseguimos estragar as coisas com planejamentos, estratégias, planilhas...o que era pra ser gostoso se torna uma fardo. Muito bom o texto!

Tuco Egg disse...

E não é mole voltar às travesseiradas espontâneas. O pessoal dos times reclama, chama de desertor, os amigos que diziam que iam junto voltam atrás... não é mole.