domingo, 25 de abril de 2010

Uma boa companhia

chaplin
Certo dia, há muito tempo, quando tudo era novo, logo de manhã bem cedo, um cãozinho se aproxima e repousa a meu lado.
Eu estava meditante, pensando na imensidão do nada e ele se sentou me fazendo companhia.
Era um cãozinho de rua, feio, encardido, magricela, mas com um rostinho amigável, como tem os cães.
Consigo, além do olhar amigo, apenas uma coleira com uma plaquinha pendurada. Na plaquinha seu nome, Dúvida. O cãozinho tinha um nome e seu nome era Dúvida.
O cãozinho Dúvida não é mal, não é um peso e não tem culpa de existir. Vaga pelo mundo à procura de alguém para se aproximar e mutuamente fazer companhia um ao outro.
Ele não teme desaparecer, de alguma forma sabe que sempre existirá, embora alguns o espante a gritos e vassouradas, ele continua a existir.
Dúvida, esse cãozinho amigo, é uma ótima companhia.
Dúvida tem uma característica peculiar, não consegue viver só, não por muito tempo. Precisa de outras companhias, por costume, vivem em grupos, em comunidade.
Como já expliquei, meu cãozinho era feio e encardido e por muito tempo tentei prendê-lo a mim, por vergonha, escondia Dúvida comigo, não ousava apresentar a ninguém. Coleira apertada e rédeas curtas, era assim que nós vivíamos.
Mas inquieto, ele não me deixava em paz, me incomodava. Era de sua natureza procurar um bando, viver só estava fora de cogitação, o deixava tristonho e por consequência a mim.
Resolvi então sair para passear com ele. Meu cãozinho feio, encardido, que tanta vergonha causava a mim e a tantos por aí.
Nas ruas, um misto de reações. Alguns olhavam mas fingiam nada ver, outros debochavam do meu cãozinho matusquela, probre Dúvida.
Havia ainda alguns tantos que andavam com seus cachorros grandes, fortes, muito bravos, chamados de Medo. Nos botavam para correr, esbravejando palavrões e botando o Medo pra cima de nós. Muitos, muitos mesmo, tentaram matá-lo.
Diziam que meu cãozinho era uma grande ameaça. Vejam vocês, como podem querer matar tal criaturinha?
Eu e Dúvida, só precisavamos de um abrigo, de outras companhias, de local seguro. Mas não era fácil.
Tentamos alguns abrigos, dito acolhedores, grandes casas, bonitas, com muita gente bem vestida que se reuniam semanalmente. Mas não fomos bem vindos. Disseram que aquele não era nosso lugar.
E assim continuamos, eu e Dúvida, à procura de um lar.dúvida
Até que um dia o encontramos, claro não sabíamos ter encontrado, percebemos depois, mas era esse o lugar.
Dúvida abanava o rabinho, feliz da vida, estava em casa.
Encontramos lugar onde descansar, uma comunidade, comunidade de pessoas acompanhadas cada uma com seu cãozinho, também chamamos Dúvida.
Nesse lugar, existia um bom homem, carinhoso, sorridente e brincalhão. Logo que entramos, lá estava Ele, deitado no chão com dezenas de cachorrinhos em cima Dele, brincando. Seu nome, seu nome é Verdade.
Assim que o conheceram, as coleiras se abriram, os cãezinhos Dúvida já não estavam mais presos a seus donos, o homem chamado Verdade os libertou.

Nessa comunidade é assim, nenhum mal é feito, nenhum cãozinho assolado, nenhum Dúvida morre. Ao contrário disso, encontram lugar para eles, lugar seguro e confortável.

Agora já não somos mais escravos um do outro, somos uma boa companhia.

E assim vivemos, em comunidade. Cada um com seu cãozinho, cada cãozinho livre, em seu lugar.

Texto: Evandro L! Melo
Ilustrações: Felipe Lopes
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Um comentário:

NN Acessórios disse...

Evandro...demais.
Você tem o dom de "acabar" comigo, né? hahaha. Agradeço a Deus sua vida e por sua inspiração. E a você agradeço por compartilhar, obrigada.
Bjs Neide