quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Espritualidade fora da moldura.

Primeiramente, desejo a todos um excelente 2009.
Aproveitando o anúncio do banco, que 2009 seja um 200inove.
Inove em sua vida comercial, particular,espiritual, nos relacionamentos etc.

E nada como começar o ano já com um texto que chacoalhe nossas cabeças, nos encha de perguntas e confunda nossos paradigmas.

Mando um texto do Gondim, que me identifiquei muito com os sentimentos dele e com seus pensamentos.
Passei, ou melhor, estou passando por essa transformação, revendo meus conceitos que antes eram intocáveis sabe se lá porque.

O texto não traz muitas respostas e conclusões não, ao contrário, deixa as questões no ar, para provocar em cada um uma reação, e que cada um chegue ao seu veredicto. O que mais importa é nos fazer pensar.

Algumas idéias de respostas para estes profundos questionamentos eu encontrei lendo o livro "A cabana" de William P. Young, o qual pretendo escrever um post ou alguns posts sobre e por causa dele.

Vale a leitura e reflexão.

Feliz 2009.

PAZ!
Evandro L! Melo
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Espritualidade fora da moldura
Ricardo Gondim

Parecido com o Chico Buarque, posso dizer que meu pai era paulista, minha mãe cearense, meu avô paterno, cafeicultor do interior de São Paulo e o materno, comunista de Fortaleza. Papai era professor de história e agnóstico; mamãe, artista plástica e levemente cristã - temendo a morte, ela se converteu ao cristianismo em seus últimos meses de vida. Cresci católico, emigrei para a Presbiteriana e acabei pentecostal. Eu também “vou na estrada há muitos anos”.

Depois que inteirei 50 anos de vida, iniciou-se outro momento em minha peregrinação. Passei a questionar certas lógicas da religião que aceitava desde a adolescência. A princípio, inquietei-me com os valores éticos que percebia embutidos em diversas empreitadas missionárias. Depois, revoltei-me com a prepotência estadunidense na cosmovisão e colonialismo religiosos. De repente, os simplismos dos sermões me aborreceram. Mas o caldo entornou mesmo com as "Marchas para Jesus", com os teleevangelistas oferecendo milagre a granel e com falta de escrúpulos dos mercadejadores da fé de usarem os desvalidos para se autopromoverem.

Embora nenhuma dessas razões isoladamente fosse capaz de me fazer abandonar o barco do movimento evangélico, o sofrimento universal me esbofeteou, pedindo explicações que eu não conseguia dar.

Tudo começo quando caminhei pelas ruas de Mumbai (antiga Bombaim) e vi um mendigo, totalmente nu, deitado numa sarjeta. O pobre dormia na lama, mal respirando. Aquela cena me roubou o sono à noite, perturbou-me por meses depois que retornei ao Brasil, e ainda permanece na retina do meu espírito. O que as minhas lógicas diziam sobre a sorte daquele “outcast” não foram suficientes para acalmar a angústia que nascia em mim.

O primeiro pressuposto teológico que ruiu foi o da Providência. De acordo com esse alicerce calvinista, Deus determinou, na eternidade passada, todos os eventos, todos os detalhes do andamento do universo que ele criou. Com plena sabedoria, Deus não só estabeleceu, como preserva o que existe para que a sua vontade sempre se cumpra.

Foi aí que pensei: se todos os mínimos eventos foram predeterminados por Deus, aquele mendigo jaz na imundície porque esse foi o quinhão divino para ele. Continuei e levei às últimas conseqüências meu raciocínio: Aushwitz, Ruanda e todos os genocídios, também fazem parte da engrenagem providencial, e vão trazer maior glória a Deus na eternidade. A partir desse evento, passei a duvidar se o que resta à humanidade é repetir pela fé que “Deus sabe o que faz". Algo dentro de mim diz que não, mil vezes não.

Comecei a estudar a Teodicéia - Teodicéia é um termo inventado no século XVII para lidar com o impasse do sofrimento humano diante da onipotência de Deus. A palavra é composta por duas raízes gregas: theos, que significa Deus e dikaios, que significa justiça. Teodicéia, portanto, é uma disciplina da filosofia que procura entender como Deus pode ser ao mesmo tempo justo e bom frente a tanto sofrimento, num mundo que ele criou e do qual é soberano.

A Teodicéia tem como marco o tratado que Gottfried Wilhelm Leibniz escreveu para conciliar três afirmações distintas:

Deus é Onipotente.
Deus é amor – Ele ama com perfeição.
O sofrimento do mundo criado por Deus é pavoroso.

Há um paradoxo irreconciliável nestas três afirmações. Elas não podem ser simultaneamente verdadeiras. Se Deus é Onipotente, portanto, livre para fazer o que desejar, é capaz de encontrar meios de acabar com todo o sofrimento. Se Deus é perfeitamente amoroso, então não pode tolerar tanta crueldade, tanto horror, no universo. Ele é poderoso e bom, contudo, milhões padecem. Qual a solução?

Qual a explicação para o que aconteceu no Camboja? Por que Deus não interveio quando o regime de Pol Pot chacinava dois milhões de pessoas? Alguns morreram só porque usavam óculos. O regime considerava que pessoas que precisassem de óculos, também gostavam de estudar e eram intelectualizadas. Esses deviam ser eliminados porque podiam representar um perigo para a revolução.

Qual a lógica divina para permitir um disparate dessa magnitude, que destruiu tantas vidas? Por que Deus não mandou um mega desastre da natureza para impedir o avanço desse comunista maluco?

Conversei com um homem que recebeu a notícia de que o filho vai nascer com uma grave deformidade genética. Ele não entende porque Deus faz aquilo. Perguntou-me onde tinha pecado para merecer tamanho castigo e repetiu várias vezes que, se Deus tem tudo sob o seu controle, não consegue imaginar que tenha um propósito tão pesado para a sua família.

Nas articulações clássicas da teologia, esse menino virá ao mundo para cumprir um propósito (usa-se bastante um texto poético do Salmo 139 para afirmar que Deus tece cada detalhe do código genético das pessoas, inclusive as deformações graves). No instante em que escutei o relato desse pai, perguntei-me: Por que Deus, na eternidade passada, predestinaria uma criança a sofrer com uma deficiência tão profunda? Deus realmente pune a humanidade com tanta severidade só porque Adão e Eva morderam a fruta proibida? Será que Deus realmente “precisa” de uma deformidade genética para produzir maturidade em um casal?

Mas o que dizer de mais de um bilhão de pessoas no planeta que não tem comida suficiente? Será que a maldição de Deus alcança prioritariamente os pobres? Por que a cada cinco segundos uma criança morre desnutrida no Terceiro Mundo? O que Deus tem para ensinar aos brasileiros com o desprezo que produz mortes desnecessárias nos imundos hospitais públicos da periferia do Rio de Janeiro? - Devido à falta de remédios básicos, médicos são forçados a escolher quem vai ser tratado e quem vai morrer à míngua.

Já estou até esperando as ferroadas. Esses questionamentos mexem com vespeiros. “O problema do Gondim é que ele desconsidera a soberania de Deus”, dirão os calvinistas. Os pentecostais repetirão que ouso minar os atributos divinos. Alguns me considerarão um tonto por afirmar que a doutrina da Providência conduz inexoravelmente ao fatalismo.

Deixei de acreditar que Deus seja um tapeceiro que trabalha às escondidas, no lado do avesso do tapete. Também abandonei que o sofrimento universal veio como castigo pelo "pecado original". Não acho que o andamento da história tenha que ser do jeito que é por alguma razão ainda obscura. Creio que a história descarrilhou. Que a vontade de Deus não se cumpriu como ele desejava. Que a injustiça, a má distribuição da riqueza, a dilapidação dos recursos naturais, o abuso do poder econômico e o egoismo que se alastrou, não representam a vontade de Deus. A desgraça daquele mendigo não aconteceu por uma "vontade permissiva", mas por fatores conjunturais perversos que produzem dor no coração paterno de Deus.

Diante dos desmantelos da história, acredito que o Altíssimo interpela homens e mulheres para se tornarem seus parceiros, agentes transformadores da história, construtores do futuro e antecipadores do Reino.

Comecei a repensar o meu edifício teológico sem o determinismo ou fatalismo da teologia clássica - que acredito mais grega que judaica - e agora vou até o fim.

Penso, inclusive, que se teólogos não fizerem o dever de casa, não reverem os pressupostos de seus discursos, o dilema do sofrimento humano continuará esbofeteando o movimento evangélico. Pior, as explicações dadas vão deformar o que se entende como bondade de Deus. Enquanto isso, muitos semelhantes a mim, terão de construir uma espiritualidade fora da moldura.

Soli Deo Gloria.

4 comentários:

Diego Venancio disse...

valeu por ter postado esse texto Evandro...muito legal, tenho pensado nisso àlguns anos desde que ouvi isso do Ed Rene e acho que faz algum sentido. Continuo pensando..rs Aliás pensamos juntos.

Eliane Assis disse...

Com certeza "vou na estrada há muitos(menos)anos” que o Gondim, e a inquietude que ele encontrou aos 50 encontrei na metade de tempo de vida que ele.

Minha relação com a forma que o evangelho é pregado nas igrejas são causa de questionamento e indignação.
Respostas simplistas jamais me satisfizeram e me causa espanto que satisfaça alguém.

Me lembro de quando começei a caminhada e alguém disse que o evangelho da prosperidade não perguntava se "O Evangelho é Verdade?". Ele perguntava "O Evangelho funciona?".

Talvez nunca encontremos a resposta (em vida) para a questão do sofrimento.

Me admira tanto espanto com a permissividade do sofrimento, foi Deus quem destruiu Humanidade no dilúvio. Dizimou nações.

Talvez tenhamos de aceitar que era isso mesmo que Ele queria. E escolher se podemos conviver com isso. Ou passar a vida lutando pra provar que estamos errados.

Ou abrir mão de acreditar que Ele é (só) Bom, (só) Amor, (só, Justiça.

Evandro disse...

Eliane, muito obrigado pela sua visita e por seu comentario.
Gostei do que vc disse, principalmente pq nao teve medo de dizer o que pensa.
Tbm comecei a me questionar e pensar com menos tempo qe o Gondim, hj tenho 27 anos. Passei muito tempo da minha vida, minha adolescencia, com medo de fazer qualquer questionamento do que a igreja me ensinava e graças a Deus depois de um tempo ganhei alguns amigos como eu e Deus abriu meus olhos e me fez enxergar mais longe.
Realmente existem questoes dificeis de entender e aceitar primeiro momento, nao sao respostas simplistas mesmo, o diluvio é uma dessas partes, mas existem mais.
Mas o importante é nunca deixarmos de procurar a verdade, nunca deixar de procurar a Deus, e a cada ia ficar mais esperto com "igreja" essas que nos fazem engolir cada uma, esses mesmos religiosos que declaram guerras religiosas etc.
Enfim, muito obrigado pelo comentarios, espero sua visita e comentarios sempre.
PAZ.

Evandro

Andressa disse...

Oi Pia!

Vc sempre escolhe excelentes textos.

Deus continue usando a sua vida para ajudar as pessoas a abrirem os olhos e pensar "fora da caixinha".

Deus abencoe sua vida e a vida da Lili, estou sentindo falta de ter vcs por perto.

Um beijão