segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Avatar nenhum

Amigos, começo 2010 com algo que a princípio pensei que não traria assunto algum nem geraria pensamentos mais profundos, como qualquer blockbuster de verão, mas o filme Avatar superou meu ceticismo e a prova é a troca (mini) de email que tive com Paulo Brabo, autor do Blog "Bacia das almas" e agora do livro "Bacia das Almas - confissões de um ex-dependente da igreja" e "Em seis passos o que faria Jesus" o qual aprecio com pouca moderação.

Paulo Brabo, postou em seu Blog o post "Avatar nenhum" o qual segue na íntegra abaixo, coloquei meu entendimento e ele retornou. Bom chega de papo, a quem interessar possa, segue a conversa (pequena, bem pequena é verdade)


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Avatar nenhum

Posted: 01 Jan 2010 09:41 AM PST

Se você ainda não assistiu Avatar, o primeiro filme do diretor James Cameron depois de Titanic, provavelmente não vai querer ler esta nota.

O protagonista de Avatar ousou adentrar e abraçar um novo mundo; ousou dar um passo além da carne e do sangue e adotar como seus um povo outro e uma outra cultura. Avatar, o filme, apesar da pirotecnia das paisagens impossíveis, da invenção de idiomas e espécies e do descortinar de imensos abismos em 3D, ousou muito menos.

Trata-se, para começar, de um filme com uma mensagem, o que – anote o que estou dizendo – nunca é bom sinal. Na maior parte do tempo o ruído dessa intenção evangelística passa despercebido diante de ofertas mais imediatas e interessantes, mas na meia hora final, quando o diretor/autor se mostra inteiramente incapaz de amarrar a sua mensagem sem maculá-la com contradições, o castelo desmorona por completo. E em 3D.

Apesar do apelo de aventura, apesar de ser a história de um mocinho que contorna perigos e subjuga espécies exóticas, Avatar se considera um filme muito sério, e seu grande conflito fundamental desenrola-se entre capitalistas e populações nativas. De um lado está um modo de vida predatório e desumanizante, de outro uma vida natural e sustentável; de um lado estão burocratas e corporações, de outro xamãs e pés descalços; de um lado exércitos, do outro crianças.

Nada tenho contra esse conflito, que, entre outras coisas e infelizmente, é baseado em fatos reais. Apenas não devemos absolutamente acreditar quando Avatar dá entender que pode ter encontrado para ele um desfecho satisfatório.

Há, por exemplo, o tremendo desconforto de ver o grande herói branco transformando-se em deus cavalgador de dragões e salvador de civilizações devido à sua mera capacidade de, em poucos meses, aprender a manejar seu avatar melhor do que os nativos adultos de Pandora aprenderam a manejar seus próprios corpos desde que nasceram. É a sobrevivência no nosso tempo da terrível sombra do Mighty White, o grande salvador branco das narrativas colonialistas e imperialistas, cujos avatares são Tarzan e Jim das Selvas e Daktari e George, o rei da floresta.

Depois há o constrangimento de ver trazido seriamente à tona, e em pleno terceiro milênio, o mais desgastado e incompetente dos encantamentos naturebas, “não agrida a natureza ou ela irá voltar-se contra você”. A fórmula inspirou bons filmes de terror entre as décadas de 1950 e 1970 (”cuidado ao fazer testes nucleares no deserto ou derramar produtos químicos no pântano mais próximo, do contrário os <-inserir aqui qualquer espécie animal arbitrária-> gigantes irão invadir a sua cidade”), mas a nossa própria era, que enfrenta dilemas maiores e mais urgentes, requer solução menos infantilizante.

Porque Avatar pretende que o conflito em Pandora seja uma metáfora apta para os conflitos ambientais da nossa própria terra e do nosso própria tempo, e o que sabemos da nossa experiência é que não, a natureza não irá voltar-se contra você não importa o que você faça – pelo menos não a tempo, não de uma forma que o faça reconsiderar sua intenção de destruir e descaracterizar. Não importa o júbilo incandescente que promovam as vitórias de Avatar (e de filmes semelhantes), os rinocerontes não irão atacar as lojas do Wallmart e as baleias não vão derrubar as plataformas de petróleo. O mais perto que a natureza chegará de revidar será atendendo nosso pedido de um futuro isento de complicações como rinocerontes e baleias, mas então será tarde demais, e esta é a única moral da história e também sua contradição. Em termos ambientais, só se aprende a noção de sustentabilidade quando é cedo demais, na dura bem-aventurança das populações nativas, ou tarde demais, entre nós que já consumimos o planeta e vendemos o futuro.

Na verdade, as populações nativas acompanham invariavelmente a natureza em sua intransigente sujeição à destruição. Não devemos acreditar em mitos tardios de bons selvagens, mas é preciso reconhecer que uma coisa índios e culturas nativas têm em comum com a natureza: seu cavalheirismo de submeter-se ao apagamento sem luta. Entregam-se invariavelmente com docilidade, como quem cede a um abraço, ao toque que irá cancelá-los da realidade.

Esta é a contradição e a falha final de Avatar, o fato de que no filme a solução que os nativos destilam para vencer a violência dos exércitos financiados pelas corporações é engendrar sua própria estirpe de violência. Avatar não conhece outra solução para a guerra que não seja a guerra, e esta é uma tremenda derrota para narrativa tão bem-intencionada. O que acontece em Avatar é um caso homérico da rivalidade mimética denunciada por René Girard: a fim de vencer o inimigo sem alma os nativos imitam-no em tudo, deixando para trás até mesmo sua característica mais essencial e mais celebrada, seu respeito à vida, na ânsia de empreender justiça e salvar algum terreno. Desnecessário lembrar que na vida real, como provavelmente no universo do filme, as corporações estarão inteiramente prontas para revidar qualquer iniciativa violenta dos nativos, e quando voltarem estarão armados da justificativa inteiramente à prova de balas da vingança. Avatar é nisso indistinguível de Tropa de Elite.

Na vida real os frágeis não fazem guerra e ninguém fala em nome da natureza. Tudo que o meio-ambiente faz diante da violência (e entenda-se meio-ambiente como paisagens, espécies, tradições e culturas) é recolher-se e calar. Sua violência é apagar-se, e só o futuro será capaz de revelar por completo, pelo clamor impensável da ausência, a extensão desse horror.

E não importa o que sugira a ficção, não teremos outro planeta belíssimo para destruir. Não terás avatar nenhum.

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Brabo das selvas e a mais severa das advertências

Brabo das selvas e a mais severa das advertências



Brabo das selvas e a mais severa das advertências


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Olá Paulo Brabo, td certo?

Assisti ontem o filme Avatar. Como sei separar filmes cults de filmes pipocas, sei curtir cada um no seu estilo.

Gostei do que vi, e o que vi foi uma velha história, cheias de clichês, bem contada. Os efeitos são inovadores, nunca vimos algo assim nos cinemas e o ritmo do filme é intenso

do começo ao fim. Mas é um filme pipoca, sem dúvida e é bastante óbvio o que acontece nas cenas.

Fora isso, em relação a mensagem do filme, eu entendo assim: James Cameron gastou 10 anos nesse projeto e dizem que muito mais de 500 milhões de dollares no filme.
Sendo assim, ele precisa do retorno desse investimento, é lógico. Por isso penso que ele tremeu um pouco para inovar demais e fazer algo muito estranho e sem apelo ao grande

público. Ele é bom nisso, lembremos de Titanic.

Agora uma cena, que pouca gente comentou, eu entendi como a real mensagem do diretor/criador do filme. É a hora em que o protagonista esta falando em seu videolog, e diz que

pensou que sua guerra traria paz, mas que em um momento a gente tem que acordar e voltar ao mundo real.

Ou seja, o mundo já era mesmo e não há o que fazer a não ser sonhar, mas que iremos acordar e ver que nossos atos "heróicos" não adiantam de nada.
E não só em relação ao meio ambiente, mas a tudo, como fome, miséria, violência, etc.

Mas concordo plenamente contigo, os 'NAVI' não acharam outra solução à guerra a não ser a própria guerra. Isso é triste mesmo.

É como ver Barak Obama, vencedor do Prêmio Nobel da Paz, enviando mais soldados às guerras com o discurso de que para ter paz é necessário a guerra.

Contraditório e estranho isso.

Um abraço.

Evandro Melo

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Evandro,

Pode não ter transparecido, mas também curti o filme. Entre outras coisas rola um poderoso simbolismo da assimilação/aceitação do Outro. Também achei o ritmo impecável e apesar

das obviedades um suspense delicioso.

São a mensagem ecológica e o discurso da guerra que penso ficaram capengas, mas para uma superprodução norte-americana já foi muito mais lúcida do que a maioria.

Forte abraço

PB

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É extamente isso mesmo. Separando as coisas dá para ter 2 opniões sem ser contraditório.
Olhando o filme como um blockbuster, é muito bom, olhando o roteiro é um tanto quanto clichê e realmente esses apelos ecoloóicos soam meio babacas mesmo. Assim como acho babaca

as caricaturas, do rapazinho ambicioso, do general forte e valente, do herói redimido...

Para mim o filme é uma mistura de Pocahontas+Smurfs+Matrix e uma pitada de Senhor dos anéis (a hora em que os animais vão à guerra).

Mas diferente de Matrix, que usou os efeitos visuais nunca vistos até então para dar suporte ao excelente roteiro (minha opnião), Avatar usa os efeitos visuais sensacionais para

salvar e carregar o fraco roteiro nas costas.

...

Gostei de ter essa "troca"de email contigo. Sei que você não gosta disso, rs, mas sou um fã do Bacia das almas. Curto até mesmo quando discordo de você , pois ao menos me

provocou a pensar, e isso já basta.

Grande abraço.

Evandro Melo

OBS.: Se ele me responder este último email, o que acho difícil, atualizo aqui.

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