terça-feira, 21 de dezembro de 2010

21 de Dezembro

Lisavieta acordava todos os dias às 8hs. Não antes, pois dava olheiras, nem depois, que lhe deixava com o rosto inchado. Às 8hs.
Em seu pequeno apartamento, decorado à época, no que hoje chamaríamos vintage, se arrumava para sair. Com espelhos por todos os cantos, não se cansava de se olhar.

O café da manhã era apenas comida integral. Fazia isso para manter a pele macia e os cabelos sedosos.

Grande parte de seu tempo era gasto sentada em sua penteadeira, a qual tinha imenso apreço, frente ao espelho. A penteadeira branca, com as extremidades arredondadas, lembrava os contos de fada. Os pés tinham seu prórpio charme, sustentava, todo o peso com elegância de miss. O espelho, ao qual se olhava sem parar, era composto por uma parte maior ao centro e dois menores dos lados. Tinham os cantos arredondados e a moldura esculpida em madeira, com ornamentos lembrando flores.

Cuidava da pele, depois se maquiava e, por último, penteava os cabelos, negros como seus olhos, lisos e curtos, na altura das maçãs do rosto. Aquilo era mais do que uma rotina, se tornara um ritual.
O guarda-roupa era repleto de belas roupas. Para festas, ocasiões formais, embora ela fosse a pouquíssimas, e para o dia a dia. Curioso é que mesmo para o que ela chamava de dia a dia, eram roupas belíssimas, finas.

Não gostava do inverno, deixava sua pele ressecada, tampouco do verão que deixava oleosa.
Era apaixonada pela primavera, a estação perfeita. Clima ideal para passear nas ruas, todas floridas. O romance estava sempre no ar da primavera.
Até mesmo as estáticas construções, de aço e concreto, pareciam diferentes. Ganhavam um tom animado aos raios de sol. As flores davam um novo colorido ao cinza azulado do concreto. Na primavera, era quando Lisavieta mais saía para seus passeios.

Tinha o rosto animado, um ar de sonhadora, como tinham as adolescentes entregues às primeiras paixões. Seus olhos, como duas jabuticabas, brilhavam perolados.
Seu andar era lento, sem pressa alguma. Seus olhos percorriam todo o ambiente, bservando detalhes invisíveis à maioria.

Um pequeno galho, composto por apenas uma folha e uma flor, se desprende do alto de sua morada e cai numa dança rodopiante, mostrando sua graça.
Um bando de maritacas que se amontoam e falam freneticamente, possivelmente todas comentando o quão boa era a estação.
E o vento parecia apaixonado por Lisavieta. Romântico, se apressava antes dela, chacoalhava os ipês roxos e amarelos e assim formava um colorido tapete para ela passar.
Lisavieta com seu chapéu, pequeno e ajustado, ornamentado com uma flor, ao se encontrar com o vento, segurava o chapéu e reclamava. O vento, por sua vez, sorria.

Caminhando em ruas de paralelepípedos, Lisavieta passara em frente a um charmoso café. Entrou, sentou-se à mesa e pediu um, com pouco açúcar.
Começara a ler seu livro, um romance, quando fora surpreendida com um botão de rosa que aparecera à sua frente. Abaixou o livro e notou que na ponta do cabo da flor, tinha um rapaz. Bem vestido, com terno e colete pretos, gravata vermelha e camisa branca. Tinha a pele morena, traços finos, cabelos bem penteados. Trazia na outra mão, colado ao peito, seu chapéu, como era o costume da época.

O rapaz sorria, seus olhos brilhavam, não escondendo sua pura admiração. Lisavieta ruborizou-se. As maçãs de seu rosto ficaram rosas, quase vermelhas. Seus olhos não conseguiam esconder sua feliz surpresa. Com as mãos levemente trêmulas, aceitou a flor e com um gesto meigo e tímido a levou ao nariz, sentindo seu perfume.
Colocou a flor entre as páginas de seu romance, como um marca-páginas, e agradeceu.
Conversaram brevemente e o cortês rapaz se despediu, com um respeitoso beijo em suas mãos.
"Como eram macias", lembrou ele tempos depois.

Lisavieta terminou seu café e voltou para seu apartamento. Tinha o olhar distante, passava repetidamente o filme daquele momento em sua mente. Apressou-se em colocar sua rosa em um vaso com água e a deixou em sua penteadeira, onde poderia contemplar horas e horas. No resto daquele dia não pensara em outra coisa e naquela noite sonhou que dançava no ar, como uma bailarina encantada.

Na manhã seguinte, logo após sair da cama, foi até a penteadeira. Olhou a flor, que já não era mais a mesma que outrora, levantou os olhos e se deparou com o espelho, que não se preocupava em esconder nada. Um frio percorreu seu corpo indo descansar em seu estômago.

No outro dia, sem coragem de se ver recém saída da cama, preferiu se arrumar primeiro. Depois, sentada em sua penteadeira, frente ao espelho, terminava sua maquiagem quando uma pétala de sua flor se desprendera e caíra. Lágrimas rolaram.
Ao observar a flor, notara que desbotara, assim como seu rosto, agora borrado pelas lágrimas.

Dia após dia observava a beleza se esvaindo.

A flor murchou, secou, morreu.

Sentada em frente à penteadeira, Lisavieta acompanhou o ciclo. Jamais levantara dali novamente.
Murchou, secou e morreu.

A primavera chegara ao fim.



Evandro L! Melo

Este conto também encontra-se incontido no livro inCONTidOS.

Um comentário:

Léo disse...

Além de ser bom o texto, você em 90% descreveu a minha primeira namorada na adolescência, tirando o chapéu e os olhos (porque os dela eram azuis) está igualzinha a ela.............pô deu saudade agora, mas enfim...........
Parabéns pelo texto man, e um grande fim de ano para você.