sexta-feira, 6 de maio de 2011

sobre a caridade

"E Piotr Pietróvitch estendeu a Sônia uma nota de dez rublos bem aberta. Sônia
pegou nela, corou, balbuciou umas palavras e apressou-se a fazer-lhe uma reverência. Piotr
Pietróvitch acompanhou-a até a porta com muita solenidade. Ela saiu finalmente daquele
quarto, muito comovida e admirada, e voltou para junto de Ekatierina Ivânovna na maior
perturbação. Durante todo o tempo que esta cena durou, Andriéi Siemiônovitch ou
permanecia junto da janela ou dava voltas pelo quarto para não interromper o diálogo;
assim que Sônia saiu, aproximou-se imediatamente de Piotr Pietróvitch e estendeu-lhe
solenemente a mão.


- Ouvi tudo e vi tudo - disse, acentuando a última palavra de maneira especial. - Isso
é nobre, isto é, humano. O senhor queria evitar a gratidão que eu bem vi.
E, confesso-lhe,
se bem que, por princípio, não admita a caridade privada, porque não só não extirpa
radicalmente o mal como até o fomenta,
não posso, no entanto, deixar de reconhecer que vi
o seu procedimento com satisfação... Sim, senhor, foi uma coisa simpática.

"E, confesso-lhe, se bem que, por princípio, não admita a caridade privada, porque não só não extirpa radicalmente o mal como até o fomenta"
 
- Tudo isso é absurdo! - murmurou Piotr Pietróvitch um tanto comovido e como se
olhasse com certo receio para Liebiesiátnikov.


- Não, não é absurdo. Um homem que, ofendido e amargurado, como o senhor, por
causa do que aconteceu ontem, ainda é capaz de pensar na desgraça alheia
...
um homem
assim, ainda que com a sua conduta cometa um erro social... no entanto... é digno de
respeito!
Eu de nenhuma maneira esperava isso do senhor, Piotr Pietróvitch, tendo em
conta as suas idéias, oh! e quanto o prejudicam ao senhor essas idéias! Como o perturbou
aquele insucesso de ontem! - exclamou o bonacheirão do Andriéi Siemiônovitch, sentindo
outra vez renascer a sua amizade por Piotr Pietróvitch. - Mas por que, por que é que o
senhor, meu bom Piotr Pietróvitch, tinha tanto interesse nesse casamento legal? Por que
havia o senhor de exigir infalivelmente essa legalidade no casamento? Bem, se quiser, batame;
mas estou tão contente, tão contente, porque isso tenha falhado, porque o senhor
continue a ser livre e não seja um homem completamente perdido para a humanidade...
Pronto, já desabafei! "

FIODOR DOSTOIEVSKI em Crime e Castigo.

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